05/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (I)

Estávamos no dealbar do ano de 1947. Seguia o mês de Janeiro no seu 12º dia, e eis que na tarde desse dia, solarenga mas esfriada, nascia, na freguesia de Folhadela, concelho de Vila Real, o protagonista desta história que estas linhas pretendem revelar.
No seio de uma família humilde, iniciei então os primeiros passos. Mas, porque os tempos que corriam, e o local da minha origem não dava garantias de uma subsistência familiar mínima, os meus progenitores partiram à procura de garantias de uma vida melhor, deslocando-se para uma localidade próxima, para trabalharem (o meu pai como pedreiro, a minha mãe como doméstica) nas obras das minas de extracção de ferro, existentes na fralda norte da serra do Marão, mais concretamente na localidade de Vila Cova, freguesia da Campeã, também do concelho de Vila Real. Tudo isto aconteceu, já eu tinha a idade de cinco/seis anos.
No entanto, esta situação foi algo passageira, nem sequer durou 1 ano. Daqui, a família deslocou-se para a localidade de Stº António da Granja, no concelho de Penedono, para trabalharem também nas obras, mas desta feita, numas minas de extracção de ouro, que ali eram exploradas desde o início dos anos 40. Nesta localidade, iniciei a instrução primária até à 3ª classe, cujo exame conclui, no final do ano lectivo de l956/57. Lembro-me que naquela terra, fazia sempre muito calor na Primavera/Verão e muito frio no Outono/Inverno, verificando-se nevões tão fortes, que por vezes atingiam cerca de 1 metro de altura. Foi aqui que comecei por aprender as primeiras traquinices, tais como andar de burro, jogar ao “pateiro”, (uma espécie de “baseboll” dos pobres) apanhar bichos da seda, nadar no ribeiro, e no tempo próprio, trepar às cerejeiras, que ali eram abundantes, para comê-las. Lembro-me de uma altura em que as cerejas eram já escassas, e por isso mais apetecíveis, trepei de tal maneira para a ponta de um ramo, que este se partiu e eu vim parar ao chão. O meu pai quando chegou do trabalho e soube do sucedido, colocou uma vara junto à árvore, e concluiu que a queda foi de mais de 4 metros. Felizmente nada de grave me aconteceu, apenas um grande susto.
No tempo da neve, muito abundante entre os meses de Novembro a Fevereiro, também dedicava parte dos meus tempos livres a apanhar pardais nos rolheiros de palha onde estes afluíam em grandes bandos, à procura dos grãos de centeio e de trigo, que ficavam nas espigas. Na região, predominava sobretudo o cultivo de cereais, nomeadamente centeio e algum trigo, castanha, batatas e legumes, e a criação de inúmeros rebanhos de ovinos e caprinos, que para além da boa carne, forneciam o leite, indispensável para o fabrico do bem conhecido Queijo da Serra, obtido de forma artesanal, de óptima qualidade.
Porque nesta altura, teve início um período de alguma crise de trabalho, a família viu-se obrigada a regressar à terra natal e ali fui matriculado na Escola Primária de Folhadela, tendo no ano lectivo de 1957/58 concluído o exame da 4ª classe. Nesta data, o meu pai arranjou trabalho no Departamento de Obras dos Caminhos-de-ferro Portugueses, destacado para a Secção do Pocinho, na linha do Douro, onde se manteve até ao ano de 1967. A minha mãe, como habitualmente, manteve a responsabilidade das lides domésticas.
Pese embora ter revelado durante a instrução primária faculdades bastantes para prosseguir os estudos no ensino secundário, e disso os meus pais fizessem gosto, preferi ir aprender uma profissão, pois era grande a vontade de contribuir para o bem estar familiar, até porque entretanto, a família tinha aumentado.
O meu primeiro trabalho, com 12/13 anos, foi num estabelecimento de venda e consertos de relógios, que existia no Largo do Pelourinho, em Vila Real, mas que durou apenas uns escassos 6 meses. Abandonei, com alguma mágoa dos meus pais, porque senti, nessa altura, ser alvo de alguma exploração, uma vez que, para além de não ganhar qualquer salário, era “usado” quase exclusivamente como moço de recados, com manifesto prejuízo da aprendizagem prometida, facto que contrariava em muito os meus objectivos de poder no futuro poder ganhar algum dinheiro. Uma vez livre deste compromisso, e já com 14/15 anos, por influência do meu primo Fernando Baptista (que na altura muito considerava e ainda hoje considero como um irmão), fui admitido numa oficina de marcenaria e aí comecei a aprender a profissão, que interrompi, com a ida para o serviço militar obrigatório, em Outubro de 1968.
Entretanto, a par da opção de uma profissão, e porque em mim se instalou alguma frustração, por ver alguns dos meus amigos da primária a frequentar a Escola Industrial e Comercial e até o Liceu, consultei os meus pais, no sentido de me autorizarem a proceder à inscrição de matrícula na “escola da noite”, autorização que foi obviamente concedida. Matriculei-me então no 1º ano no Curso Complementar do Comércio, na Escola Industrial e Comercial de Vila Real.
Em Outubro de 1968, fui então incorporado no Exército para cumprimento do Serviço Militar, deixando por fazer algumas disciplinas, que foram mais tarde feitas, algumas ainda como militar, e outras já na situação de disponibilidade, que ocorreu em Outubro de 1971.
Entretanto, já na situação de “apurado” para o serviço militar, fui aliciado por alguns amigos, para fugirmos à tropa e ir clandestinamente para França, beneficiando eu da cumplicidade da minha mãe e do meu pai que nessa altura também era emigrante. Apesar de toda a preparação, a aventura não chegou a consumar-se. De facto, a esperança de poder voltar são e salvo da guerra para onde inevitavelmente iria ser atirado, levou-me a desistir dessa aventura, decisão da qual nunca me arrependi. Os amigos que levaram por diante essa aventura, felizmente foram bem sucedidos – livraram-se da guerra –, regressaram à terra natal logo após a revolução de Abril, todos muito bem de vida.
A minha incorporação aconteceu em 21 de Outubro de 1968. Depois da passagem por Quartéis como o Regimentos de Infantaria n.º 13, em Vila Real, de Artilharia Ligeira n.º 4, em Leiria, e Escola Prática de Serviço de Material, em Sacavém, fui mobilizado para servir em Moçambique no Batalhão de Caçadores n.º2 881, formado no Quartel de Caçadores n.º 10, em Chaves, com passagem também, antes do embarque, pelo Campo Militar de Santa Margarida.
Embarquei no navio, Niassa a 12 de Agosto de 1969, no Cais de Alcântara, em Lisboa, numa viagem de 30 dias, com passagem pelas cidades de Luanda, Lourenço Marques, Beira, Nacala e finalmente Porto Amélia, tendo daqui seguido em coluna motorizada até Macomia, em pleno coração de Cabo Delgado, local de aquartelamento da minha Companhia: CCS – Companhia de Comando e Serviços. As três Companhias operacionais, que compunham o Batalhão, foram sediadas nas localidades do Chai, Mataca e Serra do Mapé. Em Macomia, permaneci cerca de 15 meses, tendo os restantes 9 meses, sido passados na cidade de Nampula, no Comando de Sector.
Durante a minha estada, lembro apenas os bons momentos passados nos bailes do “marrebenta”, no Bairro da Metaculiua, conhecido pelo lugar de todas as culturas, dada a sua mestiçagem, onde até o próprio nome por vezes se esquecia, tal era a intensidade da música e dos bons sabores gastronómicos.
Foi desta cidade, que fiz a viajem de regresso, no mesmo navio Niassa, com chegada a Lisboa, em meados de Setembro de 1971,
No início do ano de 1972, com o Serviço Militar cumprido e com as habilitações conferidas pelo Diploma do Curso Geral do Comércio, que entretanto conclui, concorri para várias instituições, nomeadamente bancos e outras empresas, para além de diversos serviços do Estado. Dentre muitos dos pretendidos, fui chamado em Outubro de 1972, para frequentar o primeiro estágio de acesso à carreira de Inspecção, na então Inspecção-Geral das Actividades Económicas, (actual ASAE-Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica) departamento do Ministério da Economia.
Concluído o primeiro estágio em Maio de 1973, fui colocado na Delegação Distrital de Viana do Castelo, onde exerci funções até 31 de Julho de 2003, tendo nesta data, sido aposentado com a categoria de Inspector Técnico Principal. Tive durante a minha carreira várias oportunidades de transferência para meios mais desenvolvidos do que era Viana do Castelo, nomeadamente, Lisboa e Porto, mas nunca me deixei seduzir por eventuais melhorias, quase sempre muito pouco condizentes com o “stress”, provocado com vida nesses meios.
A adaptação à cidade foi bastante facilitada, por muitas e boas amizades que pude fazer logo nos primeiros tempos em que vivi hospedado ma Residencial Bela Terra, amizades que ainda hoje são bonitas realidades.
Entretanto, no final do ano de 1974, casei com uma Técnica de Laboratório, do Centro de Saúde de Viana do Castelo, que conheci no calor revolucionário do 25 de Abril. Do casamento nasceram duas raparigas, hoje com 31 e 29 anos, licenciadas em Contabilidade e Administração pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e em Engenharia Zootécnica pela Universidade de Évora.
Tendo muito pouco tempo livre, pelas funções que exercia na função inspectiva, não pude dedicar-me muito às questões de cidadania, que eu sempre considerei muito importantes na vida do cidadão. Todavia, porque a modalidade de hóquei e Patins, despertou sempre em mim alguma curiosidade, aceitei, em 1981, fazer parte da Direcção da Associação Juventude de Viana, à data a disputar o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Por lá andei até à época de 1986/87, tendo ocupado cargos como Secretário da Direcção e Vice-Presidente, para terminar como Seccionista responsável pelo escalão de Juniores, cuja equipa foi vice-campeão nacional em 1985/86 e finalista nos play-of no ano seguinte, com equipas como o Benfica, F.C.Porto, Sporting , entre outros. Foram por vezes dias de muitas angústias e tristezas, por manifesta falta de meios e recursos financeiros, mas também de muitas alegrias, e muita amizade de permeio. Não esquecer, que pela Juventude de Viana, passaram alguns dos melhores jogadores do mundo, que representaram grandes clubes não só nacionais como estrangeiros. Enfim, recordo aquele clube, como uma Escola de virtudes, que continua a dar grandes alegrias à sua massa associativa em particular, e às gentes de Viana em geral.
Ainda como membro da Direcção, chefiei a comitiva que acompanhou a equipa nas deslocações a Barcelona e Nantes, onde a Juventude disputou jogos da Taça Europeia – CERES. Actualmente, sou apenas um dos muitos associados, juntamente com a minha mulher e filhas, tendo, tanto eu como as minhas filhas, recebido já o Emblema dos 25 anos de Associados.
Até ao momento em que escrevo estas linhas, apesar de algumas vicissitudes próprias de uma vida já tão longa de quase 60 anos, sinto-me absolutamente feliz, não só pelo que de bom já me aconteceu, mas também por muitas coisas que ainda pretendo realizar, assim o corpo e o espírito me ajudem.
Contada de forma simples e desinibida, é esta “A história da minha vida”.
Octávio Pires

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (II)

(Festas de Santa Marta de Portuzelo - Agosto.1949)


Nasci na rua do Loureiro, na freguesia de Monserrate em Viana do Castelo a trinta um de Janeiro de mil e novecentos trinta e dois.
Meu pai era Guarda-fiscal minha mãe doméstica, nasceram cinco filhos, três raparigas e dois rapazes.
A minha infância foi passada a brincar com os meus irmãos. Recordo-me de um dia meus pais nos felicitarem com uma ida ao circo. No dia seguinte resolvemos fazer um circo entre nós em casa, cada um fazia um número que queria, vestimo-nos de artistas, em volta da cinta enrolamos os cortinados de renda que se usavam nos louceiros. Minha irmã mais nova fazia ginástica e até conseguia por os pés atrás da cabeça, era uma artista completa; a do meio com uma galinha que estava choca fazia as suas habilidades; a mais velha era a dona do circo, eu e o meu irmão dávamos cambalhotas e saltos. Mas nem tudo era magia e fantasia, a certa altura entra em cena o Guarda-fiscal (meu pai) e com o cinto na mão desfez o circo todo. Ficamos com algumas lágrimas nos olhos, mas depressa inventávamos uma outra brincadeira e seguíamos em frente.
Numa outra altura, lembro a oferta que me fizeram de um cão, ainda pequenino, fiquei entusiasmado, mas depressa esse regozijo se desvaneceu, meu pai quando chegou a casa e viu o cão, deu-me logo um ultimato, logo quando regressar do trabalho não quero ver o cão em casa. Eu convenci-me que arranjava solução. Resolvi então escondê-lo num armário, porém os gemidos do animal rapidamente nos denunciaram. Meu pai, zangado por não ter obedecido, pegou num alguidar grande e como passava um regato perto do quintal, meteu-o na água com o alguidar em cima. Mas eu, mais uma vez não me dei por vencido, fui à volta do quintal, sem ele ver, levantei o alguidar e tirei o cão, verifiquei que ainda estava vivo, tentei escondê-lo num outro local seguro, mas mais uma vez fomos denunciamos, o pequeno cão, assustado com tudo que via à sua volta começou a latir. Foi o fim dele, meu pai ouviu, levou-o e enterrou-o vivo, foi um desgosto enorme!
Terminado o ensino primário fui para escola Comercial de dia, estávamos em plena segunda guerra Mundial. Aborrecido, desisti da escola, fui trabalhar na arte de alfaiate. Certo dia fizeram-me uma brincadeira que não apreciei, mandaram-me a outro alfaiate buscar a pedra de afiar as agulhas, quando lá cheguei embrulharam-me uma pedra num jornal, cheguei à rua e vi o que tinha o embrulho, aborrecido com a brincadeira, deixei ficar a encomenda à porta da alfaiataria e não apareci lá mais.
Fui estudar para a escola da noite, frequentei o segundo ano do curso do Comércio e aos 14 anos fui trabalhar para os Estaleiros Navais, de Viana do Castelo, como aprendiz de electricista.
Aos 20 anos fui chamado para cumprir o serviço militar para o serviço Militar tendo aí permanecido em Engenharia 2 na cidade do Porto, depois fui para a Escola Prática Engenharia em Tancos, onde tirei a especialidade Pontes fluviais e também de condutor auto. Voltei a Engenharia 2 no Porto para fazer a escola de cabos e fui promovido a primeiro-cabo, regressei para Tancos onde permaneci até ao fim do serviço Militar.
Em 1955 voltei a ser chamado para manobras Militares em Santa Margarida, fui anexado a uma companhia de reabastecimento. Aqui recordo uma situação engraçada que me aconteceu. Um dia mandaram-me a Camarate em Lisboa buscar explosivos com uma camioneta pesada G. M. C., que existia no exército, tivemos que fazer a viagem de noite. Perto de Santa Margarida na povoação de Vale de Cavalos, numa recta à minha frente ia uma carroça puxada por um burro, antes de ultrapassar fiz sinal de luzes, que ia ultrapassar, esses sinais eram feitos com os pés, ao chegar perto da carroça que ia sem luz, os meus faróis apagaram-se totalmente porque se desfez os pedais dos sinais, ficou tudo escuro, travei a fundo: o burro assustou-se, atravessou a estrada, com a carroça carregada de legumes e hortaliças: cenouras, repolhos, batatas, que ia para a Feira do Tramagal. Espalhou-se tudo na valeta, o burro, o dono, a carroça e os legumes. Diz-me o Furriel que ia ao meu lado: - mataste o burro! Felizmente estava tudo vivo, menos as couves, e o velhote a gritar: ai o meu burrinho, ai o meu burrinho! Endireitamos tudo, levantamos o burro e a carroça, trouxemos tudo para a estrada juntamente com o velhote, só havia algumas couves estragadas, mais nada, foi só um susto!
Quando acabaram as manobras militares regressei ao Estaleiros de Viana do Castelo e aqui fui progredindo na escala profissional, de oficial de terceira passei mais tarde a oficial de segunda, depois a oficial primeira, a especializado B, a especializado A, a Técnico Fabril e a Técnico Industrial.
Participei na construção de muitos navios, alguns bastante sofisticados em tecnologia. Como por exemplo, o famoso Gil Eanes – navio hospital. O meu irmão que andava na altura na pesca do bacalhau, na Gronelândia, foi um dos primeiros a ser lá operado.
Nos Estaleiros construíam-se navios dos mais diversos tipos: para a pesca do bacalhau; para Marinha de Guerra; porta contentores; cargueiros, como o navio Porto, navio Malange; navios químicos, para a Suécia e Brasil; navios de passageiros, como o Lobito; navios de transportes de carros e passageiros para Itália e Madeira e também para União Soviética e muitos outros. Faziam-se também muitas reparações quer nos Estaleiros de Viana mas também em Leixões e Lisboa.
Só numa reparação, em Lisboa estive oito meses. Foi quando o navio Cidade Aveiro virou em Aveiro e foi entregue para reparação à Firma Parry Son. Como eu tinha andado na construção deste navio, fui destacado para esta empresa para participar na reparação. Cheguei também a realizar várias provas de mar, para entrega de navios, algumas delas atribuladas, tanto aqui em Viana, como Lisboa e Setúbal. Algumas corriam bem, outras nem por isso, como aquela passada em Aveiro num navio que era para a Dinamarca, durante a prova ficamos sem leme porque este ficou ferrado a um bordo, andamos à deriva até aparecer o reboque de salvamento, foram momentos de alguma angústia e medo.
Casei aos 24 anos pela primeira vez, desse casamento nasceram dois filhos, uma rapariga e três anos depois um rapaz. Foram anos difíceis, o regime não permitia grandes liberdades nem grandes meios de sobrevivência. A este propósito lembro-me de uma situação ocorrida em mil novecentos e sessenta e dois quando trabalhava no navio de guerra S. Gabriel. Nessa altura a empresa precisava que fizéssemos horas extras, mas o dinheiro que nos pagavam era muito pouco, por isso resolvemos reclamar um aumento, como o pedido não foi aceite, deixamos de trabalhar. Chamaram a PIDE e fui preso com os colegas. Foi um dos piores dias de minha vida, a minha esposa nessa altura sofreu muito. Fiquei preso oito dias, por fim como não havia nada que me incriminasse mandaram-me embora.
Estive casado, trinta e três anos. Reformei-me, por invalidez, com cinquenta e seis anos, com a categoria de técnico industrial. Um ano depois em mil novecentos e oitenta e nove, minha esposa faleceu subitamente do coração. Três meses depois faleceu o meu filho, tinha então vinte e nove anos, com a mesma doença que a mãe tinha, pois era hereditária. Foi o terceiro golpe na minha vida.
Em mil novecentos e noventa, com cinquenta e oito anos, estando sozinho a viver, pois minha filha estava casada em Lisboa. Voltei a casar novamente, com a Maria José Coutinho, mais conhecida por Zeza, com quem vivo e sou muito feliz. Com ela aprendi a fazer Arraiolos, actividade que para além de ajudar a passar também contribui para o stress.
Também fui árbitro de futebol, durante sete anos, de mil e novecentos e sessenta e seis a mil novecentos e setenta e três, mas como não partilhava com certas injustiças de alguns dirigentes, abandonei. Pertencia à Associação de Arbitragem de Braga, mais tarde passou para a Associação de Viana do Castelo, conheci lá bons amigos, tanto em Braga como em Viana, alguns já faleceram.
Agora com setenta e cinco anos, meteram-me nesta alhada de aprender a lidar com computadores, mas não está sair nada mal. Já falo com o meu neto e também com os meus amigos.
Não sou crente nem ateu sou apenas um homem que à procura de Deus reza!
Manuel Gonçalves






HISTÓRIA DA MINHA VIDA (III)

O meu nome é João Branco, nasci na freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo, fiz os meus estudos preparatórios e frequentei o curso de Serralheiro Mecânico, que não cheguei acabar.
Aos 16 anos fui fazer, exame psicotécnico aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, entrei nesta empresa no dia 1 de Outubro de 1966, como aprendiz de serralheiro mecânico, e fui trabalhar no serviço de mecânica de bordo. O primeiro barco em que trabalhei era um barco que estava na Doca Comercial a descarregar sal para a Empresa João Alves Cerqueira, este barco depois de reparado saiu rumo ao Algarve, por altura da costa Vicentina debaixo de forte nevoeiro, naufragou mas a tripulação foi toda salva.
Depois estive a trabalhar na construção de um navio para a nossa Marinha de Guerra, Fragata Escoltador Oceânico “Almirante Magalhães Correia”, neste navio trabalhei dois anos. Todas as válvulas que o navio levou passaram pelas minhas mãos pois como eu tinha uma letra bonita depois de testadas e aprovadas pelos fiscais da marinha eu, a tinta, escrevia o numero da válvula e dava baixa da mesma.
Aos 20 anos ingressei na vida militar, começando a minha odisseia na tropa.
No dia 20 de Julho de 1970, ingressei no Regimento de Infantaria 7, em Leiria depois da apresentação e de termos dado as vacinas somos levados, para uma arrecadação aonde nos são distribuídas as diversas fardas e botas, todo este material era distribuído aleatoriamente, e depois nós tínhamos que trocar uns com os outros de modo a conseguir os tamanhos adequados. Surpreendido, vejo que a roupa que me foi atribuída não me servia, dirigi-me então à arrecadação para solucionar o problema, mas a resposta que me deram foi me desenrascasse. Regresso à caserna, ouço o toque do jantar, como a roupa não me servia quando chego à parada para formar o oficial de dia dirige-se a mim e pergunta-me se ainda não tivera tido tempo para me fardar, eu respondi-lhe que a roupa não me servia, ele começou a rir-se e disse-me para ir à arrecadação e trocar de roupa, e que não aparecesse novamente vestido à civil. Percebi bem o que ele dissera, mas tive de lhe contar o que havia acontecido, que já tinha ido à arrecadação, mas que não havia roupa que me servisse.
Solução surpreendente, a partir daí nunca mais quiseram saber, embora eu fosse reclamando dizendo-lhes que estava a dar cabo da minha roupa, e que não podia ser, disseram-me que iam estudar o assunto, o certo é que o tempo foi passando e eles não resolveram nada, mas também fiz valer a minha posição, não tinha formaturas, vinha ao fim-de-semana à civil, quando íamos dar tiro para carreira de tiro que ficava a 10Km do quartel eu ia de camião, havia certos exercícios que não realizava, etc. Quando aparecia o Director de Instrução cuja patente era Brigadeiro, mandavam-me esconder para que ele não me visse.
Acabei a recruta no fim de Setembro de 1970, depois de ter jurado bandeira, e farda nem vê-la. Fui avisado que ia tirar a especialidade de operador de radar de Artilharia Antiaérea na RAAF (Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa) em Queluz.
Saí de Leiria com guias de marcha para me apresentar no quartel em Queluz, uma vez chegado ao novo quartel, perguntaram-me porque ia vestido à civil, então eu disse que no quartel em Leiria não tinham farda para mim e que não me resolveram o problema, no dia seguinte comecei a instrução e as aulas da especialidade que ia tirar, quando chegou altura das formaturas eu apresentei-me na parada com a roupa que tinha, para meu espanto começam a chamar-me guarda-fiscal (a minha roupa era cinzenta, parecida com as dos guardas-fiscais), a partir daí o meu comandante de Pelotão disse-me que iam resolver o assunto, o tempo foi passando e farda nem vê-la, acabei a especialidade em Dezembro.
Fui colocado noutro quartel CIAAC (Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea e de Costa) que ficava em Cascais. Quando me apresentei, na segunda-feira, e quando tocou para formar apresentei-me na parada, nessa altura estava a entrar o comandante e vendo um civil, na formatura, disse ao oficial de dia, que me mandasse ir ter com ele, assim foi, chegado ao gabinete dele, ele perguntou-me porque não estava fardado, então eu disse-lhe que não tinha porque pelas unidades por onde tinha passado não tinham farda que me servisse, então mandou chamar o sargento responsável pelo fardamento e perguntou-lhe se tinha farda para mim, porque caso não houvesse teria de ir ao Casão Militar para me fazerem uma farda. Foi o que aconteceu, fomos a Lisboa ao Casão Militar, tiraram-se as medidas e passada uma semana chegou a bendita e assim estive 3 anos no exército.

João Branco

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (IV)

Chamo-me Manuel Gomes Soares, tenho 59 anos sou reformado e vou contar a história da minha vida. Conclui o ensino primário aos 11 anos de idade por sinal com bastante aproveitamento pois fui considerado com outro colega os melhores alunos da escola, como tal foi-nos atribuído um prémio em dinheiro de cento e quarenta escudos, fiquei radiante de alegria. Naquela altura, no ano de 1958, esse prémio em dinheiro representava um valor muito importante, era uma época que se vivia com muita dificuldade, corri desesperadamente para casa dos meus pais para lhes dar a noticia e da felicidade que eu sentia, eles ficaram muito satisfeitos e alegres pelo acontecido, claro que também foi uma ajuda para eles.
Gostaria de ter continuado os estudos, era bom aluno, e claro que futuramente poderia ter uma vida melhor, só que os meus pais eram muito pobres e não tinham possibilidades de darem continuidade aos meus estudos. Tive que ir trabalhar para os ajudar.
Assim com 11 anos de idade, logo após a saída da escola, arranjaram-me um emprego numa camisaria. O trabalho que eu foi desempenhar não era de grande responsabilidade nem podia ser porque eu nada sabia fazer, o meu papel era entregar as camisas aos clientes e fazer os recados necessários, o meu patrão pagava-me um ordenado de vinte e cinco tostões por dia, não era muito, mas sempre era uma ajuda para os meus pais. Hoje em dia é completamente diferente, os filhos quando trabalham ganham para eles, não dão dinheiro nenhum aos pais, por um lado ainda bem que assim é, mas por outro também não será tão bom assim porque os filhos com dinheiro nos bolsos por vezes metem-se em coisas que não devem!
Continuei trabalhando até atingir os 14 anos de idade, a partir daí começou uma nova fase da minha vida, nessa altura já podia trabalhar legalmente, pois era a idade permitida por lei. Como o meu irmão mais velho já se encontrava empregado na melhor empresa do conselho de Viana do Castelo, que era os estaleiros navais de Viana, fez um pedido ao chefe de serviço de pessoal para me arranjar trabalho na empresa. E assim fui integrado na empresa.
Comecei uma nova carreira na minha vida, no início, fruto da minha inexperiência, tive algumas dificuldades em me adaptar ao novo trabalho.
Foi no dia 4 de Abril de 1961 então que eu entrei para os estaleiros navais de Viana, fui para a escola de soldadura aí comecei a dar os primeiros pingos, andei um mês a aprender, durante esse tempo como ainda não tinha salário a empresa na hora da refeição fornecia-me um pão e um prato de sopa no refeitório e não pagava, No fim desse mês eram escolhidos os melhores e os restantes iam para casa, fui seleccionado e passei a integrar os quadros da secção de soldadura. Comecei como aprendiz ganhando um salário de nove escudos e vinte centavos por dia, ainda me lembro de minha pobre mãe, hoje falecida, ia todos os dias levar-me o almoço, se é que se podia chamar almoço, para que não tivesse de pagar na empresa a refeição. Tanto sacrifício para nada, mas a vida nessa altura era muito difícil para quem não tinha nada. Comecei a minha carreira subindo degrau a degrau de aprendiz a praticante. Aos 18 anos já era oficial de 3º de soldador foi nessa altura que aconteceu o melhor da minha vida até à data.
Naquela época existia a Mocidade Portuguesa organização que fazia os concursos nacionais e internacionais de trabalho, os Estaleiros navais forneciam os operários de várias profissões mais competentes para participar em representação da empresa, a escola comercial e industrial hoje escola Secundária de Monserrate fornecia os alunos mais aplicados de várias áreas. Não é que foi eu o escolhido para ir representar a empresa na área de soldadura?! Fiquei tão contente que nem sei explicar a enorme alegria que na altura senti, a partir daí passei um período de preparação na empresa para que quando chegasse o dia de prestar provas estar preparado o melhor possível para não deixar ficar mal a empresa. Tenho a agradecer ao meu mestre de secção pelo empenhamento que teve em me ensinar todas as técnicas de soldadura, era um grande profissional com conhecimento profundo da profissão hoje em dia há poucas pessoas com tanto conhecimento.
Chegou o dia de ir prestar provas a Lisboa eu e os meus colegas da empresa assim como também os colegas da escola, acompanhados por um professor da escola comercial e industrial, embarcamos na estação de Viana em direcção a Lisboa. Ficamos instalados na INATEL, na costa da Caparica, lá estivemos durante uma semana, foi o tempo que durou o concurso, correu tudo muito bem para mim, tanto que consegui ficar em primeiro lugar no meio de tantos concorrentes, foi muito bom!
Na consequência desta vitória ficou logo seleccionado para representar Portugal e a empresa na Escócia, estava eufórico, foi uma experiência que jamais esquecerei e que me marcou profundamente.
Os tempos nessa altura eram de muita dificuldade, mas eu estava a viver momentos inesquecíveis pois saber que ia representar o meu país no estrangeiro era um sonho que jamais o conseguiria de outra forma. Juntamente com um aluno da escola comercial e industrial seríamos os dois de Viana que iríamos representar o país nessa especialidade. A partir daqui a empresa, através do meu mestre de secção, colocou-me num lugar para que eu fizesse uma preparação mais completa, tive que aprender desenho e fazer uma reciclagem em soldadura estas duas coisas eram muito importantes pois eu não só ia soldar como também fazer a montagem das peças, portanto saber estas duas coisas eram na realidade fundamentais para assim ter uma boa prestação na participação das prova.
Chegou o dia de partir para Escócia mas antes a Mocidade portuguesa deu-nos um fato a mim e ao meu colega da escola, todos tínhamos que ir vestidos da mesma forma, na empresa fizeram-me uma mala muito bonita envernizada com o nome da empresa escrito onde ia levar a ferramenta. Não há dúvida, eu sentia-me todo vaidoso, era um momento marcante na minha vida. Lá embarcamos para Lisboa, onde nos íamos juntar aos restantes concorrentes, fomos para o aeroporto da Portela, aí embarcamos num avião enorme, para mim era um deslumbramento, pois nunca tinha visto um avião nem tão pouco viajado. Lá fomos para a Escócia, tivemos uma paragem em Londres de umas horas, depois seguimos até ao nosso destino. O primeiro dia foi para nos instalarmos no hotel e conhecer o local onde iríamos prestar provas. No dia seguinte iniciaram-se as provas, tínhamos um intérprete Espanhol, comecei por montar uma peça mas aí tive azar pois comecei por montá-la ao contrário, falta de atenção. O intérprete veio o à minha beira e disse-me que a peça estava a ser mal montada. Tive de desfazer tudo e voltar a montar de novo, perdi bastante tempo e atrasei-me um pouco em relação aos outros concorrentes, mas não estava tudo perdido, voltei a ter ânimo e ainda consegui acabar a peça primeiro do que outros concorrentes. Apesar disso, o engano prejudicou-me um pouco no resultado final, mesmo assim ainda consegui ficar em terceiro lugar. Penso que não foi mal de todo, pois era uma prova de nível internacional, tive direito a uma medalha de bronze.
Tudo foi muito bom para mim mas no meio de tudo isto há uma peripécia que eu quero contar, como é natural, depois das provas isto é, durante uma semana eu andava quase sempre com o colega de Viana. Depois de jantar normalmente íamos quase sempre dar uma volta pela cidade, acontece que um belo dia à noite, lá fomos nós dar uma volta, e quando nos preparávamos para regressar ao hotel chegamos a determinada rua onde existia um cruzamento e ficámos na dúvida, e então eu dizia que a rua que nos levaria ao hotel era pela direita, o meu colega dizia que era pela esquerda, conclusão cada um de nós quis manter a sua posição e então foi cada um para seu lado. Quem tinha razão era o meu colega, eu andei durante umas horas perdido, não sabia como chegar ao hotel. O que me valeu foi um mapa da cidade que me tinham dado, onde estava assinalado o meu hotel, mas havia ainda a barreira linguística, eu não sabia falar inglês. Resolvi falar com um guarda nocturno que ali ia a passar, peguei no mapa e com gestos disse para onde queria ir, ele também da mesma forma, disse-me para esperar até passar um táxi e assim dali a pouco mandou parar um táxi falou com o taxista que me levou ao hotel. Quando lá cheguei o meu colega já se encontrava na cama, acordou e disse-me, afinal quem tinha razão era eu, concordei, quem tinha razão era ele, pedi-lhe desculpa pela minha atitude. A verdade é que houve ali uma certa teimosia da minha parte e ninguém quis dar o braço a torcer, são coisas que acontecem. Não foi uma experiência muito agradável, senti algum receio, estava numa terra desconhecida!
Chegou o dia de voltarmos a Portugal, o sonho tinha chegado ao fim, lá embarcamos no avião e regressamos, voltei à empresa para continuar a minha carreira, fui chamado ao chefe de serviço de pessoal, que me comunicou que tendo em conta os bons serviços que eu tinha prestado e o bom nome que tinha dado à empresa, quer a nível nacional quer internacional, iria ter um aumento e uma subida de categoria de oficial de terceira para oficial de segunda. Até à data tinha sido o maior aumento que jamais me tinham dado, ganhava nessa altura vinte e cinco escudos por dia passei a ganhar trinta e seis escudos, sem dúvida que a empresa reconheceu o meu empenho naquilo em que tinha participado, e passei a ser uma pessoa considerara por todos. Com os passar dos anos, com mudanças de chefias, tudo isso foi esquecido, contudo nunca deixei de ser aquilo que era, continuei sempre a dar o meu melhor em prol da empresa, nunca me negando a tudo aquilo que me pediam.
Outro episódio importante na minha vida foi o tempo passado na tropa. Entrei no ano de 1968, em Braga, no regimento de infantaria nº 8, ia começar uma nova etapa na minha vida, quando cheguei ao quartel a primeira coisa que me mandaram fazer foi ir levantar o fardamento militar e cortar o cabelo muito curto como se costuma dizer uma carecada. Comecei a fazer a recruta e a cumprir tudo que me mandavam fazer, eram muito exigentes havia uma disciplina tremenda tudo era para cumprir, caso contrário seríamos castigados, até para receber o pré tínhamos que ir todos aprumados, cabelo cortado, botas engraxadas, farda bem limpa e passada. Continuei a tropa até ao momento em fui chamado para ir para a Guiné. Embarquei no navio Niassa, foi uma tristeza, a despedida dos familiares, havia choros, beijos, abraços, gritos, era de facto uma mágoa muito grande, nunca tinha visto uma coisa assim. As pessoas sabiam que íamos para a guerra e que podíamos ir e não mais voltar.
Íamos no navio como a sardinha na canastra, eram milhares de militares espalhados em camaratas, nos porões, íamos muito mal instalados, mas era carne para canhão que ia para a guerra e não se podia reclamar.
Hoje em dia estamos em liberdade pode-se reclamar tudo, mas naquela altura estávamos em regime de ditadura era proibido reivindicarmos fosse o que fosse. Lá chegamos ao nosso destino. Logo que desembarcamos, fomos distribuídos em grupos para várias localidades inclusive para o mato, eu e os meus colegas rádio telegrafistas fomos para o quartel general de Bissau, ali ficamos por uns dias, depois fomos mandados integrar uma coluna militar e daí fomos para várias localidades no meu caso foi para Bissorá, devo confessar que ia cheio de medo na coluna militar por onde íamos passar, eram zonas que os terroristas atacavam muito, mas com alguma sorte lá chegamos a Bissorá onde fui colocado no posto de rádio e comecei a fazer serviço de dia e de noite em turnos.
Tenho que dizer o seguinte, toda a gente sabia que a Guiné era uma colónia das mais perigosas, havia ataques constantemente, mas a sorte esteve do meu lado pelo facto de ser radiotelegrafista do STM não saíamos do aquartelamento, estávamos fixados no posto, mesmo assim vou contar um incidente. Uma bela noite, estava a fazer o turno da noite e pelas três horas da manhã comecei a ouvir tiros por todo o lado, fiquei com um medo tremendo, imediatamente fugi para o abrigo e ali fiquei até que tudo estivesse terminado. Era uma das vantagens que tinha em ser telegrafista nem sequer arma tinha distribuída, felizmente nas vezes em que o aquartelamento foi atacado nunca aconteceu nada de grave, mas não deixava de ser um grande susto.
Reconheço que enquanto estive na Guiné tive muita sorte em não me ter acontecido nada, de resto tudo não deixava de ser uma rotina diária.
Havia, ainda, um outro aspecto muito desagradável, o calor era muito, havia muitos mosquitos o que obrigava a termos na cama um mosqueteiro para protecção, muitas vezes tomávamos banho com a chuva a cair, o clima era realmente muito quente. Mantive-me durante quinze meses nesta localidade, entretanto veio uma ordem militar e fui destacado para outra localidade, chamada Manssabá, fui chefiar o posto de rádio. Era uma zona muito perigosa, praticamente era atacada quase todos os dias, muita sorte tive, graças a Deus não é por acaso que só lá estive quatro meses, e por isso por estar a chefiar o posto de rádio num local tão perigoso deram-me um louvor.
Voltei a Bissau, estava quase no fim da comissão de serviço, voltei a encontrar os meus colegas que tinham vindo comigo no mesmo navio, foi uma alegria. Chegou o dia de voltar ao convívio dos meus familiares, a minha comissão de serviço tinha terminado, embarcamos de novo de regresso a Lisboa fui directamente para o Quartel da Ajuda para entregar todo o fardamento e passar à disponibilidade, era o ano de 1971, tinha passado 36 meses de serviço militar.
Enfim mais uma vez consegui ultrapassar esta difícil e complicada etapa da minha vida, voltei a casa dos meus pais, que ficaram muito contentes por ter regressado, foi uma alegria muito grande. Regressei à minha empresa para continuar o meu trabalho e continuar o meu futuro, e assim foi, os anos foram passando com bons e maus momentos.
Em 1974 casei, tinha 27 anos de idade, no mesmo ano nasceu a minha filha, foi o dia mais feliz da minha vida, em 1986 nasceu o segundo filho, um menino, é evidente que também me deixou muito feliz.
No dia 2 de Novembro do ano 2000 tinha nessa altura 40 anos de empresa passei à situação de reformado.
É assim que acabo de contar a história da minha vida.

Manuel Gomes Soares

04/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (V)

Nasci em 12 de Junho de 1946 na vizinha freguesia de Nogueira e a partir dos meus 19 anos passei a residir nesta linda terra da qual eu gosto: S.ta MARTA de PORTUZÊLO.
Nos anos quarenta as dificuldades eram enormes comparadas aos dias de hoje, até para nascer se improvisava a maternidade junto a lareira da casa.
A partir do meu nascimento sei, pelos meus pais que graças a Deus ainda estão aqui perto de mim para contar todas estas fases da própria vida que tudo foi sempre muito difícil, quer para nos alimentar, quer para os bens mínimos essenciais.
Chegaram os sete anos e o momento tão esperado por mim de ir para a escola, claro que fiquei sempre com uma vaga recordação desse momento, a saca de ganga a tiracolo com aquele livro cheio de cor, a lousa e a pena.
Recordo-me ainda que queria aprender outras coisas mais interessantes, pois, até aí era carregar água para casa, pastar as vacas e nos tempos livres tinha ainda que olhar pelos meus irmãos mais novos que todos os dois anos em média cá chegavam. Nos anos cinquenta não existia problema com o trabalho infantil.
Voltemos à escola. Posso afirmar hoje que foi das coisas que mais me interessou nessa idade pois como sabem nessa época não valia a pena contar com jornais, rádio ou televisão, pois, eram coisas raras e bastante inacessíveis até porque na minha freguesia quando chegou a electricidade já eu tinha os meus nove anos, isto dá para ver ainda qual o tipo de vida que as pessoas tinham pela frente.
Apesar de a minha família ser das mais modestas desta freguesia, eu senti que a sorte ainda estava comigo pois sempre estive nos melhores da classe, mesmo assim era marginalizado por grande parte da classe, pois como disse atrás, os meus pais eram muito pobres e tinham muitos filhos. Foi difícil para mim viver essa fase da vida, a partir daí instalou-se em mim a vontade de sair desse fosso com que a vida me tinha brindado; pensei que a melhor solução para o meu problema seria ser Padre. Naquela época o Padre era um senhor com autoridade na terra e com boas possibilidades económicas. Imaginava-me um pequeno padreco daqueles que eu via passar na minha casa todos os dias com o tal missal debaixo do braço que tanto as pessoas elogiavam. No entanto pouca sorte para aquela criança de apenas 11anos, com o pequeno cérebro cheio de sonhos, pois, uma vez pedidas as matrículas ao seminário de Braga, chegou desde logo a desilusão, a soma mensal que era pedida aos meus pais era completamente impossível para eles (1.200 escudos). O meu pai no melhor poderia economizar 400 escudos, que eram para toda a família. Chorei, mas pensei convencer o meu pai a levar- me com ele para trabalhar. O meu pai não contestou, pelo contrario disse que seria muito melhor começar já a trabalhar e que estudar era para os ricos.
No dia marcado lá estava eu pronto a conhecer outras terras, outras pessoas e que alegria eu sentia viajar de comboio e de autocarro um dia inteirinho - que bom!
Chegados ao fim da viagem em transporte, ainda tinha-mos mais duas horas e meia a pé e as malas em cima de um burro, nesse fim de mundo para onde me levavam ainda não havia estrada, essa éramos nós que iríamos construi-la. Nesse dia como chegámos já era noite e não era aconselhável fazer essas tais duas horas e tal de noite, foi então necessário encontrar um local para dormir, coisa difícil nesse lugar. Fomos então aconselhados a passar a noite encostados a um palheiro, coisa que o meu pai aceitou, pois não tinha alternativa nem dinheiro. Nunca mais vou esquecer a minha primeira grande viagem, devo dizer que isto se passou lá para os lados de Bragança e estávamos no mês de Julho de 1957.
Depois a minha vida começou a desenrolar-se de forma normal para aquela época. Porém, não me esquecerei nunca mais do vazio que sentia com a falta da minha Mãe. Lembro-me e ainda sinto um aperto no coração que só eu posso sentir; chorei muito sozinho, sem nunca me queixar ao meu pai, apesar dos meus 11 anitos.
Não é minha intenção tornar esta história muito longa, mas afinal esta é a história da minha vida, não consigo deixar para trás momentos que me marcaram para sempre. Com 12 anos trabalhava num troço da estrada 202. Aqui bem perto de nós construía-se também uma ponte e aí trabalhava com o meu pai e outros trabalhadores.
Recordo-me de uma vez em que durante a realização de uma tarefa fui maltratado pelo encarregado que diante dos olhos do meu pai me chamou os piores palavrões e ao mesmo tempo lançou-me uma pedra que me atingiu na perna esquerda, provocando um grande ferimento. Chorei, pois achei não merecer tal humilhação e ainda mais porque o meu pai nem sequer conseguia defender-me, pois se o fizesse corria o risco de ficar sem emprego. Senti-me nesse momento como um qualquer animal vadio e sem dono. Ano e meio mais tarde já trabalhava na cidade do Porto e estávamos em pleno inverno, o patrão tinha-me avisado que o trabalho era pouco e como eu era dos mais novos seria bom que eu pensasse em ir embora. Eu não podia vir para casa dos meus pais se eles já não conseguiam alimentar os meus outros irmãos mais novos como seria com mais uma pessoa à mesa, sem as minhas economias que eles tanto necessitavam. Assim ganhei coragem e pedi ao patrão que me deixasse estar ao menos até ao Natal. Disse-me que faria os possíveis para isso e então deu-me como trabalho lavar telha usada com soda caustica. Não conhecia tal produto, comecei o meu trabalho, luvas era coisa desconhecida para mim, se calhar não para o patrão! Passada uma semana tinha as minhas mãos cheias de feridas, inchadas sem a menor hipótese de fazer nada; aí o meu patrão veio ter comigo e disse-me: - estás a ver agora vais ter mesmo que ires embora, para tratares dessas mãos, pois, tão cedo não conseguirás fazer mais nada. - Com uma tristeza enorme fiz a minha mala e lá fui eu para casa dos meus pais, coisa que eu não queria que acontecesse. Claro que a minha Mãe ao ver-me assim ficou triste e até chorou, eu tinha apenas 13 anos.
Na continuidade da vida tentei sempre lutar para conseguir minimamente aquilo que com tanta facilidade me era negado. Com a minha tenra idade e naquele tipo de tarefas em que eu tinha bons conhecimentos, esforçava-me ao máximo para fazer o melhor, conseguindo acompanhar os melhores. Sempre que alcançava esse objectivo esperava pelo patrão para lhe fazer compreender que uma vez que o meu rendimento era igual, ou até por vezes superior aos dos mais velhos, queria que o meu salário fosse pelo menos igual ao deles, dado que aquilo que me pagavam era quase sempre inferior a metade do salário deles. Devo dizer que desse lado as coisas me corriam também muito mal, pois quase sempre o aumento não ia além dum miserável escudo.
Procurava sempre encontrar explicação para tal atitude e infelizmente para mim a resposta era sempre a mesma: - és muito novo meu rapaz, não posso dar-te o mesmo salário dos grandes. - É claro que com este tipo de respostas, lá ia eu emigrando por este país, sempre sem eira nem beira.
Um dia encontro alguém que mal conhecia e que me lança uma proposta, perguntando-me qual era a minha profissão. Disse-me então se queria trabalhar para ele em Lisboa, com alojamento: - para iniciar proponho um salário de 70$00 em 8 horas de trabalho. - Não parei para pensar, Lisboa era coisa nova para mim e depois era o dobro do salário que tinha no momento.
No dia seguinte lá fui eu de mala feita para a capital; que belo apartamento, que linda casa de banho, eu que apenas ouvia falar nos luxos dos hotéis, já tinha o meu próprio hotel. Era a primeira vez na minha vida que me sentia um pouquinho feliz com a vida que me esperava e não tinha sido enganado. Pelo contrário, o salário prometido foi bem superior, o trabalho, esse era um prazer, parecia que vida começava, enfim, a sorrir, não estava enganado. Andava de tal forma feliz que me esquecia que o serviço militar estava à minha espera, já ali ao virar da esquina.
Já me esquecia que antes do episódio de Lisboa aconteceram outras aventuras comuns na época, eram as tentativas, para mim sempre frustradas, da emigração clandestina para França. Não fui feliz nessas aventuras porque sei que eram perfeitas aventuras. Tentei uma vez por terra, abortada; outra vez por mar, aqui em CASTELO DE NEIVA, às cinco da manhã apareceu alguém dizendo: - para casa, rápido, a polícia marítima já apreendeu o barco e agora procuram-vos; - e lá fui eu para casa mais uma vez com o sonho francês na cabeça.
Pouco tempo depois, nova tentativa. Esta seria segundo os organizadores certa, não era e não foi verdade. Uma vez passada a fronteira de VILAR FORMOSO, qual o nosso espanto quando, no local combinado esperávamos o nosso transporte, nos apercebemos que o mesmo passou por nós fazendo-nos apenas um sinal que não compreendemos. O que vimos foi que atrás desse senhor seguiam mais dois carros a toda a velocidade. Por isso, voltamos para o interior pois não podíamos estar ali ao lado da estrada; isto aconteceu seriam quatro horas da tarde. Ficámos ali abandonados à nossa sorte sem podermos saber o que estava a acontecer, até que às oito horas da tarde, lá apareceu a tal pessoa que sem grandes explicações no momento, metendo-nos dentro do carro, e lá continuamos viagem a toda a velocidade. Estávamos cansados devido às fugas feitas durante aquela tarde e adormecemos quando tínhamos percorrido uns 300 km. O condutor adormeceu também e o nosso carro ficou encastrado de frente numa árvore. Pouco ou nada me lembro desse acidente, apenas tenho comigo uma ou duas visões vagas. Entrei em coma e permaneci assim durante quatro dias. Não sei se podem imaginar a minha surpresa, eu que apenas me lembrava de adormecer dentro do carro, acordar naquele hospital em Espanha rodeado pelos colegas que me acompanhavam, todos eles com ferimentos, todos tinham uma perna ou braço partido. Eu tinha os dentes frontais bem abalados e pouco mais, mas, afinal, a nossa história estava apenas no início, pois, a polícia apenas esperava que acordássemos, para nos meter na prisão, o que aconteceu logo naquela tarde.
A partir daí aconteceram-me vários episódios; fomos transferidos de prisão, em média todas semanas, até chegarmos ao posto da PIDE em Vilar Formoso. Aí já éramos uns 65 homens, todos nós emigrantes ilegais, e cada vez que havia transferência o grupo aumentava. Fomos alojados os 65 num quarto que teria no máximo 12 m2. Se durante o dia era difícil, pois não era fácil qualquer movimento, o pior era a noite. De facto conseguirmos arranjar um espaço por ordem de idades, onde se deitariam quatro de cada vez. Passámos uma noite assim. Na tarde seguinte, transferiram-nos para a prisão de Almeida, uma vila que fica ao lado de Vilar Formoso. A seguir, foi preciso arranjar fiança para sair da prisão, sendo depois necessário responder a um processo na cidade da Guarda, uns dois meses depois. Tanto eu como os meus colegas respondemos em tribunal e nessa mesma tarde já estávamos do outro lado da fronteira, pois havia já alguém para nos levar outra vez. No entanto, quando Deus não quer, os Santos não conseguem fazer nada. A pessoa que nos levaria, dado que o carro se tinha avariado, disse-nos para esperar até que o fosse reparado, e o melhor esconderijo que nos arranjou foi um aqueduto duma estrada principal. Estávamos no mês de Fevereiro, esta estadia durou três dias, três dias de fome e frio que pensei que já não conseguira sair dali vivo, tendo emagrecido 4 quilos. Não nos era possível sair dali, pois a polícia espanhola passava constantemente naquela estrada e nós acabávamos de sair dum processo pelo mesmo delito, com dois anos de pena suspensa. Foi então que a pessoa que nos devia levar para França, à noite, nos arranjou um táxi para nos transportar para Portugal. Abrimos as portas do carro para entrar e aí o condutor disse-nos que só nos podia levar na mala. E foi na mala que nos trouxeram para o lado de cá. Recordo-me que depois de sair da mala demorou algum tempo até perceber onde estava.
Nunca mais quis pensar em França e foi aí que imigrei para Lisboa.
Logo a seguir, chegou o serviço militar, Abril de 67, era um futuro difícil de prever, o mais certo seria ser enviado para a guerra e aí as possibilidades eram não voltar à nossa terra. Com esta ideia fixa resolvi deixar uma pequena lembrança àqueles de quem eu gostava. Mandei fazer algumas fotografias e na véspera da minha incorporação lá passei pelas casas dessas pessoas deixando aquilo que poderia vir a ser uma recordação. No dia 17 de Abril de 1967 vesti pela primeira vez uma farda e como milhares doutros jovens não tinha-mos o direito de pensar no futuro, pelo menos nos próximos três ou quatro anos.
O tempo foi passando, ao fim de seis meses estava na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, e que alegria eu senti quando já no quartel alguém me disse que com essa especialidade não iria para o ultramar. Procurei ter uma informação mais oficial. Era verdade, a não ser que surgisse no futuro um castigo pesado. Finalmente, no dia 17 de Abril de 1970, mandaram-me para casa ainda com um mês de licença e depois fiquei livre. Foram 36 meses de tempo perdido. Felizmente tive muita sorte. Apesar de nunca ter passado do posto de soldado, fui um senhor, como se dizia em linguagem militar.
Não fazia parte do meu futuro fazer nova tentativa para a França apesar de nesse ano e já com Marcelo Caetano como Primeiro Ministro, as coisas já não eram severas, o que eu não sabia é que no mesmo dia que cheguei da tropa, nessa mesma tarde, tinha um dos meus tios pronto a levar-me com ele no dia seguinte. Disse que não queria, pois o meu futuro, de acordo com a minha vontade, era voltar para Lisboa e continuar por lá. Mas de pouco valeu a minha recusa. O meu tio reparou que não me convencia e foi junto de outro meu tio, que eu admirava muito, e ao qual eu não poderia recusar nada. Assim, no outro dia, bem cedo e ainda com licença registada fui até terras francesas. Não foi difícil, tive que atravessar o rio Minho ali para os lados de Monção e a seguir foi como se estivesse documentado. Cheguei a Paris, ou melhor aos arredores.
Fiquei chocado com o sistema de vida do meu pai e irmãos, afinal era aquilo a França? Quis convencer o meu pai que não queria aquela vida para mim pois em Lisboa era bem melhor. De facto a vida em França era mesmo difícil, os trajectos para o trabalho eram feitos numa bicicleta velha e em pleno mês de Agosto já fazia frio, havia geada branca. Estas condições tornaram a minha reacção ainda mais dura. Conversei com o meu pai, mas ele pediu-me para ficar, seria uma vergonha para ele se eu me fosse embora e ficou combinado que a continuar assim no próximo Natal já não voltaria.
Convenci-me que tinha que vencer, comecei por trabalhar aos sábados e domingos e os francos começaram a chegar com calma, mas os problemas ainda não tinham acabado, a língua era o maior obstáculo, às vezes até me tornava chato para os que sabiam alguma coisa. Ao fim de um mês as coisas já estavam bem melhores para mim, já conseguia entender o que me diziam e não precisava de dizer sempre “oui”.
Uma vez vencida a batalha inicial, a minha vida entrou numa rotina igual à de muita gente, embora sempre com o objectivo de voltar o mais depressa possível. Entretanto, casei-me e então a prioridade já não era voltar assim tão rapidamente. Agora pensava comprar uma casa, de forma a ter mais liberdade e viver com mais conforto. E assim o sonho se concretizava, foi difícil, além de todo o trabalho que já fazia ainda tinha que reconstruir a minha casa, muitas vezes deitava-me à 1 hora da manhã e levantava-me às 4 horas da manhã, quando saía para trabalhar já deixava duas horas de trabalho feito em casa. Com todo este esforço, ao fim de um ano tinha a minha casa completa. Tinha que estar pronta para receber a minha filhota Elizabete, que nasceu no final de Maio de 1976. Eu não queria que a minha princesinha fosse mal recebida já que o Jorge, o filho mais velho, não teve as mesma sorte no que diz respeito ao conforto.
Na altura que comprei a casa fui envolvido num aparatoso acidente na estrada, um morto e um ferido grave. Segundo as informações da polícia não tinha que me preocupar; nada tinha a ver com o mesmo. Fui chamado a tribunal e qual não foi o meu espanto, em vez de testemunha como pensava, já era réu. Encontrei-me a responder a um juiz sem sequer ter um advogado. Procurei argumentar que nada tinha a ver, pois o queixoso era eu, nada feito. O melhor era arranjar um advogado, pois, o processo já estava todo contra mim. Explico tal situação ao seguro dizendo-lhes que tinham que ter defensor à disposição ou então eu não comparecia ao próximo julgamento. Com bastante dificuldade acederam à minha exigência.
Chegado o dia do julgamento, estava cheio medo, pois sentia-me sozinho e qual o meu espanto quando assisto ao meu advogado a fazer o jogo da outra parte. Procurei defender-me, não me deixavam falar, estava ali a ouvir invenções, todas bem orquestradas para me afundar. Eu não tinha nome, apenas era identificado como um português. Senti-me pequenino naquele mundo deles onde eu não era nada. Foi uma humilhação muito grande. Fui condenado, eu que nada tinha a ver com este acidente; saí triste e humilhado. Mais tarde o seguro recorreu, mas foi preciso esperar mais três anos.
Pedi ao seguro um novo advogado, uma vez que outro jogava do lado contrário e aí sim tinha agora um defensor que me agradava. Logo na primeira entrevista, depois de consultar todo o processo, disse-me que já era tarde demais, não havia forma de dar a volta ao processo, pois todo ele era uma acusação contra mim, mas que iria trabalhar no mínimo para não me agravarem a pena.
Mais uma vez voltei a sentar-me no banco como réu e já em recurso recomeçou a acusação. Como já estava habituado a ouvir, continuava sem nome próprio, era apenas um português, como eles diziam. Foi aí que o novo advogado chamou imediatamente a atenção do juiz, dizendo que o seu cliente tinha um nome como qualquer pessoa e que se o colega insistisse nessa humilhação, que segundo ele devia ser essa a intenção, ele abandonaria a sala. Claro que o juiz deu-lhe razão e chamou a atenção do advogado da outra parte. Finalmente já me senti melhor, no fim acabei por ficar com a pena anterior e sem poder conduzir durante 8 meses, mais outras coisas que ficaram em suspenso por mais dois anos.
Não escreveria este episódio se não fosse ele que revirou a minha vida. Foi a partir de todas essas humilhações pelas quais me fizeram passar e pelas quais nem sequer me deixavam defender, que disse para mim mesmo que teria de partir logo que possível. Apesar da minha boa integração eu não queria ficar a conviver com um povo que para além das aparências se achava superior, mas apesar da minha necessidade em voltar, não o podia fazer a qualquer preço, ou arriscava-me a que as coisas não corressem bem e tal como me conheço, não aceitaria tal coisa.
Em Agosto de 1985 voltei com a família, eram férias e nenhum problema à vista. Acabadas as férias e com os meus colegas emigrantes de volta era necessário pensar na forma de reconstruir nova vida. Recomeçava novo problema. Se em França, iniciar foi difícil, agora tinha a língua a meu favor, tudo o resto foi preciso reaprender. Quem nunca saiu do seu país por muito tempo não conhece esse problema. Se não fosse a minha vontade firme de não voltar a França decerto teria feito o que fizeram tantos dos nossos emigrantes e que ainda hoje esperam para voltar à terra que os viu nascer.
Passado o primeiro ano as coisas foram-se encaminhando. Recomecei a minha vida profissional naquilo que eu sei fazer melhor e que gosto. Não posso esquecer que quando voltei ao meu país tinha 38 anos, há já 22 anos, parece que foi ontem!
Que dizer, hoje sou uma pessoa que realizou em grande parte os seus sonhos, sinto-me bem na vida, quero apenas dizer uma coisa: apesar destas histórias que narro, vindo eu de onde vim, se fosse necessário refazer o mesmo caminho para chegar aqui não importaria nada de o fazer, tenho a certeza que o sacrifício valeu a pena.
Com toda a tranquilidade que é possível vivo a vida na companhia da minha esposa, já com a companhia de dois netinhos que são uns amores não esquecendo os meus dois filhos, Jorge e Elizabete, já ambos casados. Esperamos com ansiedade o primeiro netinho da Elizabete.
Assim dou por terminada a minha história. Deixei aqui apenas aqueles episódios que mais marcaram a minha existência, que de alguma forma traçaram a minha vida e forma de viver. Esta é apenas uma parte da minha existência, decerto que teria muito mais para contar já que a minha vida é toda ela cheia de boas e menos boas histórias, mas que hoje é bom recordar!


Sta MARTA de PORTUZELO, 7 de Dezembro 2006.
José Domingos Parente Gonçalves

03/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA: INFÂNCIA

Eu passei a minha infância em casa de meus avós paternos. Em 1964 tinha eu então seis anos, a minha vida era passada entre a escola da Avenida e o porto de pesca de Viana do Castelo, nos tempos livres os rapazes juntavam-se aos magotes como se fossem bandos de gaivotas no cais. No campo D' Agonia jogávamos ao pião, a bola, ao prego, a bilharda, a bandeirinha, ao piro-galo, a forma com botões, fazíamos a corrida da volta a Portugal com caricas das gasosas, corridas de carros de madeira com rodas de rolamentos, brincávamos aos índios, aos polícias e ladrões, éramos muitos rapazes, a maioria andávamos descalços e as calças mostravam remendos nos joelhos e no rabo, ao fim da tarde não era raro ouvir os pais ou os avós chamarem os filhos ou os netos oh João, oh Zé, oh Tone, oh Pedro, oh Manel meu vadio, meu terrorista em casa vou-te desancar, meu corrécio meu estupor, mas no fim acabava por ir parar dentro da bacia de zinco para levar uma ensaboadela pois a maioria dos rapazes chegavam a casa cobertos de pó ou de lama conforme o estado do tempo. Algumas vezes no verão íamos nadar para a banda de fora que ficava na foz do rio Lima, nadávamos quase todos nus e não raras vezes o polícia do mar apanhava-nos as roupas! Era de rir ver os rapazes todos em plote a tentarem esconderem-se entre as pedras do rio, todos que assistiam riam-se e gozavam a cena, por fim o polícia do mar entregava as roupas aos rapazes na presença dos pais ou dos avós depois lá vinha mais um sermão de civismo com umas lambadas a mistura. Neste ambiente fui crescendo, começando a gostar do cais, dos barcos, da pesca, o mar fascinou-me com seus mistérios e seu cheiro a maresia levando-me a todo o Mundo.

Manuel Barros Lomba

HISTÓRIA DA MINHA VIDA: TEMPOS DE JUVENTUDE

Com 15 anos, fui trabalhar para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para a secção de limpeza (vulgo ferrugem) começando por ganhar o salário de 13$60/dia. No início, prometeram-me que dentro de pouco tempo, mudaria para outra secção mais especializada, tendo em vista a aprendizagem de uma profissão com futuro. Não tendo sido cumprida essa promessa por parte da entidade patronal, na altura já com 19 anos, despedi-me e optei por ingressar na actividade da pesca, como tripulante no barco” Santa Cruz”. Como é sabido, na actividade da pesca não há salário fixo. Ganha-se o chamado quinhão, cujo valor resulta da quantidade de pescado capturado, ou “marés de mar”. Em Janeiro do ano de 1963, com 21 anos de idade, assentei praça no Regimento de Infantaria 8, em Braga, onde fiz uma recruta de 3 meses. De seguida, fui para Penafiel, tirar a especialidade de artilheiro de canhão de 75 mm, situação que mantive até 25 de Agosto, data em que embarquei de comboio para Lisboa, e de seguida no navio “Vera Cruz”, para Angola, onde cheguei nove dias depois, para cumprir uma comissão de serviço obrigatória de 24 meses.
Depois de 15 dias de estada no Quartel do Grafanil, em Luanda, rumei em coluna até à Zona Militar dos Dembos, mais concretamente para a localidade de Quibaxe, onde permaneci 16 meses. Fui integrado em várias operações de combate, não só na região dos Dembos, mas também mais a norte, nomeadamente, na região do Huije e Serra da Mucaba.
Nos vários combates em que estive envolvido, morreram alguns camaradas. Felizmente a mim nada me aconteceu. No dia 26 de Outubro de 1965, embarquei de regresso, novamente no Vera Cruz rumo a Lisboa. Cheguei passados nove dias.
Estive de férias um mês, e de seguida regressei novamente à actividade da pesca.
Em 20 de Março comecei a namorar a que hoje é a minha esposa.

João José Matias

HISTÓRIA DA MINHA VIDA: CASAMENTO

(Igreja de Vila Nova de Anha - 15.Setembro.1990)

Ia tomar café à hora do almoço, a uma pastelaria, perto do meu trabalho, as pessoas que a frequentavam eram todas conhecidas e companheiras. Um desses dias, entrei e reparei num senhor sentado, todo vestido de negro, chamou-nos a todos atenção. Soubemos depois que estava a fazer luto pela sua falecida esposa.
Passado algum tempo voltei a vê-lo, estava a conversar com uma pessoa minha conhecida, sentei e falamos, mais tarde voltamo-nos a encontrar num casamento de amigo comum. Depois desse dia o senhor começou a frequentar a pastelaria assiduamente. Enquanto esperava pelo autocarro, para ir almoçar, via-o passar muitas vezes, para o meu lado. Com o tempo tornou-se familiar, na pastelaria. Numa dada altura a propósito de uma atitude incorrecta do meu patrão para comigo o dito senhor, insurgiu-se e defendeu-me. Agradeci-lhe, mas não dei importância.
Aos sábados era meu costume ir à igreja por volta das 12,30h, aproveitava esse momento para a sós com Deus ter as minhas reflexões. Um dia encontrei lá o senhor, estranhei, pois tal nunca tinha acontecido, mas a igreja é de todos! Nesse dia pedi a Deus que iluminasse o meu o caminho, andava confusa, não sabia se devia casar ou dedicar-me à vida religiosa.
Na segunda-feira seguinte a este episódio, voltei a ver o tal senhor, apareceu enquanto eu esperava pelo autocarro, parou junto de mim e perguntou-me se aceitava boleia, estive algum tempo hesitante, mas acabei por aceitar. Estas situações começaram a repetir-se. Passados uns dias chovia muito, minha colega disse: “está ali o senhor que te dá boleia”. Eu naquele dia estava aborrecida e disse: “ Já não estou a gostar das boleias, logo hoje que estou com olhos de chorar”, a patroa tinha-me magoado. Mas mesmo assim lá fui ter com ele, quando cheguei ao carro viu logo que tinha chorado, perguntou a razão dessa tristeza. Expliquei-lha, então qual não foi o meu espanto quando ele diz: “se quiser tiro-a de trabalhar, quer casar comigo?” Pensei, este é a resposta que Deus está a dar-me para as minhas dúvidas.
Quatro messes depois de o ver na igreja, casamos na mesma e à mesma hora!



Maria José

02/03/2007

GASTRONOMIA


Eu sou minhota e fui criada segundo as tradições do Minho no que se refere à gastronomia. A cozinha minhota é muito rica e variada e apreciada mundialmente. Os pratos mais conhecidos são o arroz de sarrabulho, o cozido à portuguesa, o frango de cabidela ou também conhecido como pica no chão, o bacalhau assado na brasa, o arroz de lampreia entre muitos outros.
Como boa minhota e apreciadora destas iguarias aprendi a confeccioná-los. Pelo que aqui vai uma lição de culinária para quem quiser aprender. O cozido à portuguesa é feito com a carne de porco corada, o chouriço, a farinheira, o presunto, a unha de porco salgada, a carne de vaca e o frango. Numa panela com água põe-se todas estas carnes. Quando tudo estiver cozido retira-se as carnes para uma travessa. Aproveita-se a água de cozer as carnes para cozer as batatas, a cenoura, a couve coração e a couve portuguesa. Normalmente acompanha-se o cozido à portuguesa com arroz seco. e é acompanhado com vinho verde tinto.
Outro dos pratos tipicamente minhotos é o arroz de sarrabulho e os rojões à moda do Minho. O arroz de sarrabulho é feito também com as carnes de porco. Na minha casa criavam-se porcos e o dia da matança do porco aproveitava-se o sangue para fazer o chouriço de sangue, mais conhecido por sanguinha, o salpicão e para fazer o arroz de sarrabulho. O arroz de sarrabulho normalmente é acompanhado pelos rojões. Os rojões são feitos com a febra do porco. Os rojões são feitos da seguinte maneira: parte-se a carne aos pedacinhos que se põe em vinho branco verde, com bastante alho, folha de louro, sal e pimentão-doce. A carne de porco fica de um dia para o outro a tomar paladar. Assim, põe-se numa panela banha a derreter e junta-se os rojões e deixa-se apurar. Os rojões são acompanhados com batatas frita partidas aos cubos que se junta aos rojões. Acompanha-se ainda com arroz com que leva a carne desfiada de porco, de vaca e de frango e depois junta-se o sangue do porco e cominhos que lhe dá um gosto muito característico mas também muito saboroso. O arroz de sarrabulho deve ser servido muito soltinho.
Outro dos pratos tradicionais do Minho é o arroz de cabidela. O que dá o paladar ao arroz de cabidela é o frango que deve ser caseiro. O frango caseiro é criado solto no campo e é alimentado durante sensivelmente oito meses apenas com milho, couve e ervas. O frango assim criado fica com uma carne mais escura e muito mais saborosa. O arroz de cabidela é feito da seguinte forma: corta-se uma cebola numa panela a que previamente se juntou azeite e deixa-se alourar. Quando o refogado fica pronto junta-se um pouco de água e tapa-se com o testo para apurar. Depois junta-se o frango partido aos pedacinhos e acrescenta-se o sal, o vinho tinto, uma folha de louro, salsa, pimenta ou piripiri e deixa-se cozinhar. Quando o frango estiver estufado retira-se da panela. Ao molho que fica na panela acrescenta-se água e tapa-se até ferver. Quando a água estiver a ferver junta-se o arroz e deixa-se cozer. Quando o arroz estiver praticamente cozido junta-se o sangue. O arroz serve-se muito soltinho e acompanha-se com vinho tinto preferencialmente da região.
Apenas enumerei estes pratos por serem aqueles que são os preferidos da minha família e amigos. Todos os pratos minhotos são sempre bem regados ou com vinho verde ou vinho maduro tinto ou branco consoante acompanhe os pratos de peixe ou de carne. Não nos podemos esquecer também do remate final destes repastos – a sobremesa. As sobremesas típicas desta região são o arroz doce, a aletria, o leite-creme ou o pudim de ovos apenas fazendo referência a algumas delas.
Espero ter dado um cheirinho da gastronomia minhota. Quem a conhece que continue a apreciar e aqueles que a não conhecem se sintam tentados a prová-la.
Para todos bom apetite.


Fernanda Loureiro

UMA LONGA HISTORIA DE VIAGENS


O meu encontro com o mar começa na minha infância, no porto de pesca de Viana do Castelo. Via chegar os barcos da pesca e toda a agitação que envolvia o ambiente. Então, em mim, foi crescendo o sonho e a ambição de um dia também eu poder embarcar, navegar e descobrir tudo o que havia para além da barra do porto de mar.
Comecei por ser pescador, em 1974, ano em que se deu a revolução do 25 de Abril. Tinha eu 17 anos, recordo a inquietação das pessoas, de repente toda a gente se tornou um politico em potência, tal era o entusiasmo com que todos se queriam fazer ouvir e defender a sua causa politica. Durante muito tempo nos cafés, na rua, no trabalho, na escola, falou-se de politica, pintaram-se murais alusivos por tudo que era parede e fizeram-se manifestações por todo o Portugal. No 25 de Abril o povo saiu à rua em turbilhão e sem medo de dizer o que lhe ia na alma, depois de 48 anos de ditadura politica e censura a festa foi bonita e o cravo vermelho foi o símbolo que ficou a perpetuar a conquista da liberdade no tapa chamas das espingardas.
A vida de pescador prolongou-se até 1992 e foi em 1993, que com 35 anos de idade, comecei a minha grande aventura, que foi navegar por todos os oceanos e pisar terra de todos continente. A minha primeira viagem começou em Lisboa ao entrar pela primeira vez num avião com destino a Miami nos EUA. Tive saudades das ondas do mar de cada vez que o avião oscilava e dava a sensação de ir cair.
Cheguei ao navio pela manhã. Era enorme, com 270 metros de comprimento e 15 andares de altura, pintado de branco como a cal. Sem saber falar inglês, apresentei-me nas escadas de acesso ao navio, sendo necessária a intervenção de um português para me ajudar na recepção e introdução no ambiente de bordo. Não foi difícil adaptar-me à vida de bordo. A minha cabine era partilhada com outro tripulante, também ele português. Comecei por ser marinheiro e todos os dias me levantava as 5 horas da manhã para fazer a baldeação ao navio até às 7.30h. Depois do pequeno-almoço, reuníamo-nos todos os marinheiros no paiol da proa, onde o contra-mestre distribuía o trabalho a fazer naquele dia. Uns iam raspar e pintar, outros dar manutenção aos cabos de arame dos guinchos, outros lavavam vidros e paredes ou as piscinas. Havia sempre trabalho a fazer. Na messe, ao almoço, era audível o som de várias línguas diferentes, pois a bordo haviam tripulantes de mais de trinta nacionalidades: portugueses, italianos, ingleses, filipinos, indonésios, canadianos, franceses, mexicanos, americanos, romenos, polacos, jamaicanos, irlandeses, alemães, indianos, brasileiros, húngaros, croatas e muitos mais. Findo o dia de trabalho normal dos marinheiros reuníamo-nos no bar para dois dedos de conversa, jogar uma cartada, jogar pingue-pongue ou outros jogos. Muitas vezes ia ao “promenade-deck”, deitava-me numa cadeira e adormecia a ver o por do sol das Caraíbas, com o horizonte sempre presente ou a silhueta das ilhas ao largo.
Chegávamos aos portos que visitávamos sempre pela manha e todos tínhamos a oportunidade de ir a terra, o que ajudava a quebrar a rotina diária a bordo. Na memória ficou-me Vancouver, Victoria, Juneau, Ketchikan, Seward, Portland, Seattle, S. Francisco, Los Angeles, Miami, Nassau, Cabo S. Lucas, Mazatlan, Puerto Vallarta, Acapulco, Cozumel, S. Jose de Costa Rica, Cristobal, no Panamá, Cartagena, La Guaira, Montego Bay, Curacao, Aruba, Martinique, Rio de Janeiro, Recife, Salvador da Baía, Buenos Aires, Puerto Rico, Honolulu, Hong-Kong, Singapura, Xangai, Hirochima, Nagasaki, Vladivostok, Sydney, Melbourne, Brisbane, Jakarta, Sumarang, Bali, Port-Moresby, Papete, Bora-Bora, Muroroa, Auckland, Tasmânia e muito mais havia para juntar a este rol de nomes, entre ilhas, países e cidades que visitei durante centenas de cruzeiros que tive o privilégio de fazer. Jamais esquecerei os glaciares do Alasca e toda a sua beleza natural. As Caraíbas, a Indochina, o México, o Havai, o Tahiti, o Brasil, a Rússia, a China, a Coreia do Sul, o Japão, o Árctico, o Antárctico, a aurora boreal, as montanhas, os vulcões, a hora de ponta numa avenida chinesa com milhares de bicicletas a circular, os Índios do Panamá e tanta coisa que o meu baú de memórias guarda lá no fundo. Foi uma longa viagem que me levou a todos os cantos do Mundo, o mar foi a estrada e a estrela Polar testemunha sempre presente, nunca me canso de olhar o mar e o horizonte.
Manuel Lomba

Gente rica é outra coisa!!!

A primavera de 1969 acabava de entrar. Era ainda Março, quando numa manhã de sexta-feira, esperava na estação de Campolide, em Lisboa, pelo comboio que me havia de levar até ao Porto e daí até Vila Real, para mais um fim de semana dos muitos que tive na vida militar.
No cais, entre muitas outras pessoas, chamou-me à atenção, a presença de um cavalheiro, com pouco mais de meia-idade, impecavelmente vestido, envergando um fato cinzento claro, camisa branca e gravata, chapéu de felpo e sapatos pretos de verniz. Segurava na não direita uma pasta de executivo, em cabedal de cor preta.
Até aí tudo normal, pensava eu. Apenas o comboio parecia nunca mais chegar. Era também notório algum bulício, próprio de uma gare de embarque.
Mas bem me enganei!!!
O homem bem vestido, por momentos, desapareceu do meu campo de visão, para logo aparecer, mas acompanhado por um Polícia. Era um Guarda da Polícia Municipal, um homem enorme, para mais de 100 quilos de peso, bem ataviado, exibindo um farto bigode. Ambos gesticulavam de forma expressiva.
Por estar tão perto, não pude evitar ouvir o que ambos diziam um ao outro, e perceber as palavras com que o policial se dirigia ao homem bem vestido.
O cavalheiro não tem vergonha? Com essa idade, já devia saber, que fazer chichi no meio dos arbustos é infracção muito grave, um atentado à moral pública e aos bons costumes. De mais a mais, tendo a retrete ali tão perto. É imperdoável, repetia o Polícia.
O homem bem vestido, meio atarantado e algo envergonhado, tentava desculpar-se, dizendo que estava muito aflito e, sendo a retrete ainda bastante longe, podia perder o comboio, para o Porto, onde ia resolver importantes negócios da sua empresa.
O guarda, nem sequer lhe deu ouvidos e com autoridade, ordenou, que o acompanhasse até a Esquadra, para que o chefe decidisse o que fazer perante tão grave situação.
Bem tentou o infractor convencer o policial de que tinha agido sem pensar que a sua atitude poderia ter tão graves consequências. Mas em vão. O defensor da Lei, não abdicava da sua autoridade, e insistia, cada vez com mais veemência, que o acompanhasse até à Esquadra.
Foi então, que o homem bem vestido, manifestando alguma perplexidade e muito agastado com o que lhe estava a acontecer, se virou para o Polícia, e disse em tom desafiador:
- Por acaso o senhor sabe quem eu sou?
- Não sei, nem quero saber. Para mim os cidadãos são todos iguais e a lei é igual para todos. Acompanhe-me, e não pense que sou um qualquer!!!
- Mas já agora diga lá quem é que você é, para ver se eu o conheço. Às tantas não passa de um alfacinha de meia tigela e desses está o mundo cheio.
- Ó senhor Guarda, nada de importante, apenas sou o Accionista maioritário de uma grande empresa ali da margem Sul. Aquela dos sabões, das alcatifas dos adubos, dos navios, dos... não sei se já ouviu falar.
- Eh espere aí, meu caro senhor, - disse o policial, com ar de quem já meteu o pé na argola e está a ver a vida a andar para trás.
- Você está a dizer-me que é o dono da C U F do Barreiro? Daquele grande empório?
- Isso mesmo, o que o senhor ouviu.
O guarda baixou os olhos para o chão, tirou o boné, e coçando a cabeça, foi dizendo ao senhor bem vestido:
- Muito obrigado meu caro senhor, muito obrigado!!! Nem sei como lhe agradecer tanta bondade da sua parte.
- Não estou a entender. Você está a agradecer-me, porquê? - Perguntou o homem bem vestido um tanto intrigado.
O Guarda, curvando-se para a frente, com as mãos atrás das costas, em sinal de respeito, respondeu: - O senhor acabou de salvar a minha carreira e até o pão dos meus 6 filhos e confesso que não sei como agradecer-lhe.
- Mas porquê homem de Deus? Porque me quer agradecer? Explique-se rápido, que o comboio está a chegar.
O Guarda, cada vez mais cabisbaixo, foi dizendo com voz trémula: - Vossa Senhoria tem ideia do que me podia acontecer se eu o levasse à presença do chefe?
- Não, mas diga lá. Desembuche e não me faça perder mais tempo.
- Pois é meu caro senhor. O chefe quando visse a sua identificação, e confirmasse que pertence à classe muito rica deste País, dizia logo, com voz ameaçadora, que quem estava a mijar contra os arbustos era eu!!!

Octávio Pires

01/03/2007

25 DE ABRIL (I)

O 25 de Abril de 1974, foi o dia, que o calendário da história contemporânea, elegeu como o dia da Liberdade. Um dia inesquecível!!!
De madrugada, por volta das 2 horas, o Rádio Clube Português, colocou no ar, na sua programação normal, as músicas – E depois do Adeus – cantada por Paulo de Carvalho, e – Grândola Vila Morena – cantada por Zeca Afonso, músicas intencionalmente escolhidas para serviram de senha e contra senha, abrindo caminho e dando vida, aquele que foi o maior acontecimento político da história de Portugal - a Revolução do 25 de Abril!!!
Era quinta-feira e já o sol radioso brilhava vindo de terra dentro, quando o País acordou para o trabalho, ao som de marchas militares, mas aturdido pela notícia de que um movimento militar acabara de marchar sobre Lisboa, para tomar o poder. A cidade de Viana, não foi excepção.
As notícias difundidas através das rádios e R T P, corriam em catadupa, e toda a gente se interrogava: - uns dando mostras de grande regozijo e extravasando de alegria, outros, ainda incrédulos, pensavam, que o que estava a acontecer era irreal, e portanto tudo não passava de um sonho.
Mas de facto, tudo o que se ia ouvindo pelos órgãos de comunicação social, era bem real e verdadeiro. O movimento de militares designado por M F A – Movimento das Forças Armadas, constituído por Oficiais, Sargentos e Praças dos três ramos, depois da ordem dada pelas canções que para todo o sempre vão imortalizar o acontecimento, tomaram os seus postos, levando por diante, com bravura, disciplina e muito risco, aquela que para sempre, ficou conhecida como a “Revolução dos Cravos”.
Quem esteve atento ao desenrolar dos acontecimentos, facilmente se foi apercebendo, de que o objectivo nobre da revolta, comandada por um punhado de valorosos Capitães, era depor o poder ditatorial, instituído há mais de 4 décadas pelo Estado Novo, e restituir, ao Povo, após um período de transição, um conjunto de direitos, liberdades e garantias, a consignar através de eleições constituintes e legislativas, livres e democráticas.
Já a manhã ia longa, e as notícias emitidas pelas rádios nacionais, nomeadamente a Emissora Nacional, a Rádio Renascença e a que se tornou oficial e a mais ouvida durante todo o processo revolucionário - O Rádio Clube Português - e também pelo único canal de televisão existente, a R T P, eram ouvidas e vistas com tanto interesse e sagacidade, que quase não havia tempo para comentários. Vivia-se um sonho que parecia não ter fim!!!
Nas ruas, nos cafés e nos restaurantes, as pessoas não tiravam os ouvidos dos transístores e os olhos dos televisores, tal era a ansiedade em saber tudo o que se passava ao mais ínfimo pormenor. Corriam notícias, que em Lisboa, teatro das mais importantes operações, já no inicio da manhã, haviam sido tomados pelo M F A – Movimento das Forças Armadas - entre outros de menor importância, os Ministérios da Guerra e do Interior, a sede da Polícia Política (D G S) e seus apêndices, para além de controlo de fronteiras aéreas, marítimas e terrestres e outros pontos considerados de interesse estratégico e operacional, designadamente os meios de comunicação social com destaque para a R T P.
Também se fazia eco, de que a adesão de todas as unidades militares espalhadas por todo o território do continente e ilhas adjacentes dos Açores e Madeira, incluindo as unidades sediadas nas denominadas províncias ultramarinas, foi maciça, submetendo-se sem quaisquer condições ao poder da Unidade de Comando instalada na Cova da Moura, nos arredores de Lisboa.
Aos comandos dessas unidades, foi expressamente ordenado pelo Comandante Operacional, o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, que se deveriam manter nos respectivos quartéis, em prontidão e alerta máximos, com disponibilidade total para acorrer a qualquer incidente, garantindo, nomeadamente, a segurança de pessoas e bens, vulneráveis a todo tipo de sabotagens, por parte de eventuais caciques e seus espúrios, existentes nas respectivas áreas de intervenção.
A par da tomada de todo o aparelho do Estado, também Marcelo Caetano, Presidente do Conselho, foi detido logo pela manhã na sua residência particular do Restelo, e posteriormente levado para as instalações do Quartel do Carmo, aguardando aí, em absoluta segurança o veredicto dos revoltosos, quanto ao seu destino.
Já a noite se aproximava e as notícias eram cada vez mais entusiasmastes. A R T P, mostrava em directo, aquele que foi o episódio, talvez mais marcante do dia, e quiçá, de toda a história da Revolução.
As imagens, seguidas em todo o País com grande expectativa e alguma angústia, mostravam, nas imediações do Largo fronteiriço ao Quartel do Carmo, o movimento de uma Chaimite, que se deslocava lentamente por entre a multidão, comandada por um dos valorosos capitães de Abril, o saudoso Capitão Salgueiro Maia, do Regimento de Cavalaria de Santarém.
Ouvia-se na reportagem, que a missão, tinha como objectivo, resgatar em absoluta segurança, do interior do Quartel do Carmo, o deposto Presidente do Conselho e conduzi-lo ao aeroporto da Portela, onde o aguardava um avião, que dali o havia de levar até à Ilha da Madeira e mais tarde, ao exílio no Brasil, onde anos depois viria a falecer.
A operação de resgate, apesar de alguma tensão, muito manifesta nalgumas franjas da imensa multidão que enchia por completo o Largo do Carmo, decorreu com absoluta normalidade. Os milhares de pessoas, empoleiradas em árvores, candeeiros, varandas e até em cima dos automóveis que ali se encontravam estacionados, quando a Chaimite se retirava rumo ao aeroporto, em vez de mostrar ódio gratuito ou proferir palavras de menos respeito para com o prisioneiro, antes entoaram cânticos de “Grândola Vila Morena” e gritou, a plenos pulmões, palavras de ordem, tais como: - “25 de Abril Sempre”, “Fascismo Nunca Mais”, para terminarem em uníssono, “O Povo unido nunca mais será vencido”.
Já a noite tinha caído, quando o País inteiro fazia o primeiro balanço do mais feliz de todos os pesadelos.
Por volta das 20 horas, o General Spínola, chefe da Junta de Salvação Nacional, desde logo constituída, leu em directo, dos estúdios da R T P, no Lumiar, o primeiro comunicado, em nome do M F A.
Nesse comunicado, deu conta, a todos os Portugueses, do êxito que foi a operação desencadeada pelas Forças Armadas, destacando, que a tomada do poder, aconteceu, sem necessidade de uso de meios violentos, ou derramamento de sangue, só possível, devido à grande serenidade e espírito de maturidade cívica demonstrados pelas populações, que desde o primeiro momento acarinharam nas ruas, nas repartições públicas, nas fábricas e outros locais, o Movimento Militar, encetado no início da madrugada, manifestando a sua alegria, com a entrega de cravos vermelhos aos soldados, que os colocaram nos canos das espingardas, gesto que simbolizará para sempre a gratidão das populações para com os abnegados Militares.
Aquele Oficial General, depois de apelar aos cidadãos para que se mantivessem nas suas residências ou nos seus locais de trabalho, em absoluta tranquilidade mas vigilantes, advertiu, com a autoridade conferida e legitimada pelo Movimento Militar, que qualquer tentativa contra-revolucionária, seria severamente punida.
Ao Corpo Diplomático acreditado em Portugal, transmitiu também, em nome da Junta de Salvação Nacional e em nome do Povo Português, o firme propósito de honrar todos os compromissos e tratados, assumidos pelo regime deposto.
A partir deste momento, o País ficou mais sereno e toda a gente rejubilava com o acontecimento e com muita esperança no futuro.
Já a noite ia longa, quando a maioria dos cidadãos recolheu a suas casas., cansados por um dia de acontecimentos tão intensos, mas naturalmente muito felizes e com manifesta ansiedade do dia seguinte, para começar a trabalhar para um Portugal livre, democrático e mais solidário.
Por mim, que também vivi o dia intensamente, fiquei ainda pelas ruas a deambular, como que, a saboreando mais um pouco tanta emoção, tanta felicidade! Mais tarde, com alguns amigos, fomos ao Viana Mar, comer francesinhas e beber cerveja, aproveitando o momento para discutir, em absoluta liberdade, que benefício para os cidadãos traria no futuro, esta Revolução, que o poeta imortalizou no seu poema: - “As Portas que Abril Abriu”.
Já de madrugada, após um dia “inesquecível”, adormeci, com um único pensamento, que ainda hoje guardo com imensa saudade: - “25 de Abril Sempre”!!!

Octávio Pires

25 DE ABRIL (II)


Vivia nessa data em França na região de Paris, estava eu com os preparativos para a rotina do dia a dia, isto no início da manhã, quando tive conhecimento pela rádio que estaria em movimento a Revolução contra o fascismo, claro que nada ainda estaria confirmado.
É fácil imaginar que, para nós, imigrantes no mundo, era uma notícia que fazia renascer em nós aquilo que tanto desejávamos. Saí para o meu trabalho, mas já foi preciso levar mais alguma coisa além do almoço, não poderia trabalhar correctamente, senão fosse informado de tudo o que estaria a acontecer no meu país, tinha o rádio bem perto, certo que a produção desse dia não foi, obviamente, a melhor.
Foi o primeiro dia na minha vida, que começava a acreditar que o meu futuro, e de todos quantos se seguissem seria agora melhor. Nos dias seguintes à hora das notícias, à noite, era momento de profunda dedicação ao televisor, tudo era vivido com alegria e ansiedade ao mesmo tempo. Sempre que acontecia de ver pessoas que tinham feito parte da minha vida militar era aquele aperto no coração. Pensava que o meu país, a partir daqui, iria tentar recuperar todo o tempo perdido no passado, e proporcionar uma vida melhor para todos os portugueses.
O meu sonho está ainda longe de se realizar, valeu a pena, vivemos melhor, somos livres, mas continuamos atrasados em relação aos países desenvolvidos da Europa.
Parece que o meu sonho vai continuar irrealizável ainda por muito tempo.
Foi assim que eu vivi o meu vinte cinco de Abril.

José Domingos Parente Gonçalves

25 DE ABRIL (III)

No dia “25” de Abril como era costume levantei-me pelas seis horas e quarenta e cinco minutos, para desfazer a barba e tomar o pequeno-almoço. Saí de casa por volta das sete horas e cheguei aos Estaleiros Navais eram sete e quarenta cinco minutos, já lá estavam alguns colega de trabalho. Um dos meus camaradas, que me perguntou-me:
- Então Jaubert, ainda não ouviste as notícias?
- Eu não. - respondi, perguntando-lhe então que notícias eram essas tão importantes.
- Vai um pandemónio dos diabos, lá para Lisboa. Os Militares já prenderam o Marcelo Caetano e tomaram o poder. Parece uma Revolução a sério, vamos lá ver no que isto vai dar.
Como estava na hora, dirigimo-nos para o duplo fundo do navio, onde se estavam a realizar trabalhos de soldadura, e só ao meio-dia, quando viemos para almoçar, é que soubemos o que efectivamente se estava a passar.
As notícias, das rádios e da televisão confirmavam que um Movimento de Militares, denominado M F A., havia tomado o poder.
A vida de um soldador era muito dura. Estávamos extasiados com as notícias, não tivemos remédio senão voltar ao trabalho, pelas 13 horas.
Só pelas 20 horas, quando terminámos o turno, é que fiquei a saber o que tinha acontecido durante aquele dia.
Fiquei contente com o que tinha acontecido. Na cidade viviam-se momentos de muita alegria, as pessoas conversavam nas ruas e nas esplanadas com muito entusiasmo, ansiosas sempre por mais notícias; recordo-me, que pelo fim da tarde, houve várias manifestações espontâneas, às quais me associei. O M F A tomou o poder, para devolver ao Povo a Liberdade e Democracia, que o Estado Novo tinha roubado há mais de 4 décadas. O Povo podia agora expressar-se livremente!
O dia terminou, com um comunicado da Junta de Salvação Nacional, a apelar ao Povo que se mantivesse sereno e confiante no Movimento das Forças Armadas.
Assim vivi o 25 de Abril.
Um dia inesquecível!!!

João José Matias

25 DE ABRIL (IV)

Encontrava-me a trabalhar na Doca Eng. Duarte Pacheco na reparação do Navio/Bacalhoeiro “Rio Lima”, da Empresa de Pesca de Viana, quando por volta das 10,00 horas da manhã, quinta-feira 25 de Abril de 1974, deslocamo-nos ao Estaleiro Principal, para irmos buscar materiais e ferramentas. Passávamos junto ao quartel militar no Castelo de Santiago da Barra, e vimos os soldados sentados nas muralhas, a gesticular e a fazer uma grande algazarra. Depressa me apercebi que algo se passava.
Quando cheguei ao Estaleiro ao passar na porta, o guarda que estava de serviço disse-me que tinha ouvido no rádio que algo se estava a passar em Lisboa.
Então ao meio-dia, hora de almoço, já toda a gente sabia que estava em andamento um golpe de estado feito pelos militares. Durante a tarde fomos procurando saber mais do que realmente se passava, havia camaradas que na hora de almoço tinham ido a casa e trouxeram rádios de bolso, iam dizendo tudo o que a rádio ia transmitindo.
Um grupo de oficiais, denominado por Movimento das Forças Armadas, comandados pelo capitão Otelo Saraiva de Carvalho, tinha-se sublevado.
Os dias foram passando e o país foi consolidando a revolução, a tranquilidade começou a chegar. Começaram a surgir as primeiras alterações desde a criação do conselho de revolução e os governos provisórios. Começaram a decretar as nacionalizações das empresas chave do país. A empresa onde eu trabalhava também foi nacionalizada, e foi a partir daqui que foram criadas as comissões de trabalhadores que os representavam juntos das administrações, nomeadas pelo conselho de revolução. A partir daqui os trabalhadores começaram a ter outra consciência política, e começaram a reivindicar regalias que beneficiavam todos. Os nossos salários foram aumentados substancialmente, conquistamos regalias no campo da medicina do trabalho, equipamentos de segurança, assim como máquinas mais modernas para podermos laborar. No aspecto social também conseguimos diversas regalias, como as férias que passaram a ser de 22 dias úteis para todos. Com a conquista do 25 de Abril todos os trabalhadores viram as suas condições de vida melhorar substancialmente.
Também a partir do 25 de Abril se começou a poder falar livremente e a criticar os governos, já que antes tínhamos a polícia politica (P.I.D.E.) à perna pois não se podia censurar o governo. Outra das grandes conquistas do 25 de Abril foi acabar com a Guerra Colonial.
Assim vivi eu o 25 de Abril.

João Branco

ANTES E DEPOIS DO 25 DE ABRIL

Em 1947 fui trabalhar para os Estaleiros Navais, de Viana do Castelo como aprendiz de electricista. Em 1962 era eu oficial especializado, ganhava-se muito pouco, estava casado, tinha então dois filhos; uma rapariga e um rapaz, de 5 e 2 anos. Porque não fazia horas extras, mandaram vir a “Pide”. Queria dizer polícia de investigação e defesa do Estado, veio do Porto, eu e um colega fomos interrogados por dois inspectores da polícia do Estado e levados para o Porto. Estivemos 8 dias presos, eu fiquei junto com outros presos, tinham sido torturados para denunciarem os passadores, viam-se as marcas no corpo. Eles foram presos quando iam a atravessar a fronteira, para imigrar para França. O colega que foi comigo teve pior sorte, depois de interrogado meteram-no na solitária, só o tornei a ver quando saímos, abanaram muito com ele. Eu tive mais sorte, depois de muitas interrogações, durante vários dias, como não encontraram nada de grave mandaram-nos embora.
Minha esposa sofreu muito, sofria do coração e mais tarde morreu. Eu fiquei marcado no trabalho por causa disso, alem de ser dos mais antigos da secção era dos melhores operários. Quando era Chefe de Equipa vi passar outros colegas, a encarregados com menos qualidades do que eu, custou-me muito.
Em 1974, a vinte e cinco de Abril, houve uma revolução, que derrubou o governo de ditadura, de 48 anos.
Nesse dia estava a trabalhar em Aveiro, com alguns operários numa alteração, no navio da pesca do bacalhau Santa Isabel, tinha sido chefiado por mim na construção. Passamos 3 dias sem fazer nada! Era uma alegria na rua, as pessoas depois de 48 anos amordaçados com uma ditadura, ficaram extasiadas!
Foi preciso vir o vinte e cinco de Abril, para me darem o valor que merecia porque até ali estava difícil. Em 1975 passei a Técnico Fabril, 2 anos depois Técnico Industrial. Em 1988 tinha eu 57 anos, reformei por invalidez.

Manuel Gonçalves