17/08/2007

Seniores de Viana do Castelo publicam histórias das suas vidas

Seniors of Viana do Castelo publish the story of their lives



Doze seniores de Viana do Castelo escreveram a história das suas vidas, no âmbito de um projecto europeu que os ensinou também a interagir com computadores e a navegar na Internet.

Este projecto, que contou com participantes de mais três países europeus (Eslováquia, Luxemburgo e Espanha), terminou com o lançamento, em Viana do Castelo, de um livro com histórias marcantes das suas vidas, reunindo um total de 52 narrativas, publicadas na língua materna de cada adulto e também na língua inglesa. Estas histórias reflectem o percurso de vida das gerações mais idosas e constituirão testemunho e legado para as mais novas, que poderão não ter conhecimento das épocas correspondentes à juventude dos seus pais e avós.

05/04/2007

Viana do Castelo



O Centro de Formação Contínua de Viana do Castelo, sediado na Escola Secundária de Monserrate, em Viana do Castelo, Portugal, é uma das instituições parceiras neste projecto.

Conhece um pouco mais da nossa cidade:


Learn a little more about our city:

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA

Todo o povo tem as suas narrativas
R. Barthes


O homem vive, constrói e formata as suas vivências em narrativas que a linguagem da memória e das palavras se encarrega de editar. São aventuras, enredos, mal entendidos, silêncios magoados, sofrimentos acumulados, peripécias, mas também as brincadeiras, os risos, as festas, as vitórias, os ganhos, e as pessoas, as pessoas que ficam na história de cada um.
São muitas as palavras que temos de emprestar à narração, os episódios sucedem-se, a vida passa-nos no ecrã da memória e assim vamos escrevendo páginas e páginas de sentidos já sentidos.
Foi desta forma que os seniores textualizaram os seus relatos de vida, foram muitos os episódios que descreveram, foram muitos os parágrafos de emoção, autenticidade e graça.
Porque a narrativa é também uma partilha, aqui ficam mais algumas histórias por eles contadas.

Gabriela Barbosa

INFÂNCIA


O MEU PIÃO

Recordo-me de um período da minha infância em que aquilo que mais desejava era ter um pião. A forma de o ter era amealhando uns tostões. E assim foi, juntei a quantia necessária e adquiri o meu brinquedo. Sonho concretizado!
Já como meu pião um dia fui com os meus amigos deitar o pião. Jogo que todos muito apreciávamos. Fomos para o cais, junto da casa do salva-vidas, porque estávamos mais protegidos do frio que então se fazia sentir em pleno mês de Fevereiro.
O jogo estava a correr bem, até que na minha primeira jogada, que jamais esquecerei, o pião em vez de bater no do meu amigo, guinou para o canal e caiu à água. Nem queria acreditar no que via, o meu pião cada vez mais longe, não podia ser, não podia perder o meu pião que me custou a adquirir e logo na primeira jogada que fazia com ele. Que desgosto! Então enchi-me de coragem e sem pensar em nada, despi-me, atirei-me à água e fui salvar o meu pião. Quando caí na água, foi como se tivesse ficado paralisado, a água estava gelado, podia ter morrido por hipotermia. Felizmente reagi ao frio e lá consegui, nadei para as escadas, cheguei ao cimo do cais com o peito cheio de ar e disse para todos: “aqui está o meu pião!”
Enquanto me vestia, o patrão do salva-vidas chamou-me a atenção para o facto de ter colocado a minha vida em perigo, ao que eu respondi: “ Mestre César, assim era conhecido, podia ter morrido, mas salvei a vida do meu pião!
João José Matias
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My Spinning Top

I recall a time in my childhood in which my only wish was to have a spinning top. I could only have it if I saved some money. That’s what I did. I got the necessary amount and bought my toy. A dream came true!
One day my friends and I went to the docks, next to the lifeguard’s house, to toss our spinning tops. There we were protected from the cold February weather.
Everything was OK until I started playing. I’ll never forget what happened then. I aimed at my friend’s spinning top, but I failed and my toy fell into the water. I couldn’t believe my eyes! My dream toy was floating away. It had been so hard to get it. I couldn’t lose it. I was completely devastated!
Suddenly I summoned up the courage and, without even thinking, I took off my clothes and jumped into the water. The water was so freezing that I could have died of hypothermia. Fortunately I was able to react and swam towards the stairs and when I reached the top I proudly said: “Here is my spinning top!”
While I was getting dressed, the lifeboat skipper angrily told me that I had put my life in danger. But I replied: “Skipper César - so we called him - I sure could have died, but I saved my spinning top!”
João José Matias
Mi peonza

Me acuerdo que durante un periodo de mi infancia mi único deseo era tener una peonza. Podría tener una sólo si ahorraba algo de dinero. Y eso es lo que hice. Reuní la cantidad necesaria y compré mi juguete. ¡Un sueño hecho realidad!
Un día fui con mis amigos al muelle, junto a la caseta del socorrista, a lanzar nuestras peonzas. Allí estábamos, protegidos del frío tiempo de febrero.
Todo iba bien hasta que empecé a jugar. Nunca olvidaré lo que sucedió a continuación. Apunté a la peonza de mi amigo, pero fallé y mi juguete cayó al agua. ¡No podía creer lo que veían mis ojos! Mi juguete se alejaba flotando en el agua. Era tan difícil recuperarlo. No podía perderlo. ¡Me sentía totalmente desolado!
De repente me armé de coraje y, sin tan siquiera pensarlo, me desnudé y me tiré al agua. El agua estaba tan fría que hubiera podido morir de hipotermia. Por suerte pude reaccionar y me acerqué nadando a las escaleras. Cuando salí, dije con orgullo: “¡Aquí está mi peonza!”
Mientras me vestía, el socorrista me dijo enfadado que había puesto mi vida en peligro. Pero yo contesté: “Capitán César –así lo llamábamos- seguro que hubiera podido morir, ¡pero salvé mi peonza!”

João José Matias

Mein Kreisel

Ich erinnere mich an eine Zeit aus meiner Kindheit, in der mein einziger Wunsch war, einen Kreisel zu besitzen. Ich konnte ihn nur haben, wenn ich Geld sparte. Das tat ich dann auch. Ich bekam den notwendigen Betrag zusammen, um mir mein Spielzeug zu kaufen. Ein Traum wurde wahr!
Eines Tages gingen meine Freunde und ich zu dem Kai direkt neben dem Rettungsschwimmerhaus um unsere Kreisel zu schleudern. Dort waren wir vor dem kalten Februarwetter geschützt.
Alles war in Ordnung, bis ich anfing zu spielen. Ich werde niemals vergessen, was danach geschah.
Ich zielte auf den Kreisel meines Freundes, aber ich verfehlte ihn und mein Kreisel fiel ins Wasser. Ich konnte meinen Augen nicht trauen! Mein Traumspielzeug schwamm davon. Es war so schwer gewesen ihn zu bekommen. Ich konnte ihn nicht verlieren. Ich war am Boden zerstört! Plötzlich brachte ich den Mut auf, ohne nachzudenken, zog ich meine Kleider aus und sprang ins Wasser. Das Wasser war so eisig, dass ich wegen Unterkühlung hätte sterben können. Glücklicherweise konnte ich rechtzeitig reagieren und schwamm zu den Stufen, als ich die oberste Stufe erreicht hatte, sagte ich stolz: „ Hier ist mein Kreisel!“
Während ich mich wieder anzog, erzählte mir der Skipper des Rettungsbootes ärgerlich, dass ich mein Leben in Gefahr gebracht habe. Aber ich antwortete nur: Skipper César – so nannten wir ihn – Ich hätte sicherlich sterben können, aber ich habe meinen Kreisel gerettet!“

João José Matias

Moja obľúbená hračka

Spomínam si na svoje detstvo, kedy mojim jediným želaním bolo mať detskú hračku nazývanú vlk. Jediný spôsob ako ju získať bol ušetriť trochu peňazí. A to je to, čo som aj urobil. Našetril som si potrebnú sumu a kúpil som si svoju obľúbenú hračku. Môj sen sa stal skutočnosťou!
Jedného prekrásneho dňa som sa spolu s priateľmi išiel hrať s mojou hračkou do prístavu hneď vedľa záchranárskej stanice. To bolo jediné miesto, kde sa v chladnom februári dalo hrať.
Všetko vychádzalo, kým nezačala naša hra. Nikdy na to nezabudnem, čo sa vtedy stalo. Mieril som so svojou hračkou na priateľa, ale tá mi namiesto toho spadla do vody. Neveril som vlastným očiam! Môj sen odplával. To bolo ťažké prijať. Nesmel som dopustiť takú stratu. Bol som úplne zničený!
Zrazu som nabral odvahu a bez rozmyslu som si vyzliekol šaty a skočil som do vody. Voda bola taká studená, že som mohol umrieť na podchladenie. Našťastie som bol schopný reagovať a plával som smerom ku schodíkom a keď som zachytil moju hračku, pyšne som povedal: „Tu je moja hračka!“
Ako som sa obliekal, kapitán záchranárskeho člna mi nahnevane vyčítal, ako som ohrozil svoj život. Ale ja som mu na to odvetil: „Kapitán César – ako sme ho volali – ja viem, že som mohol zomrieť, ale zachránil som svoju obľúbenú hračku!“

João José Matias

ANIMAIS NA MINHA VIDA

O MELRO CANTADOR

Era verão e a manhã estava quente. Tomava café no Bar da Paval, em Valença, quando chegou o Simão, cumprimentamo-nos.
Aproveitando a sua boa disposição, fui directo ao assunto que me tinha lá levado, o desejo de ter um melro lá em casa, e saber que ele mo poderia arranjar - É para já - disse solícito.
Dali fomos a casa do Jofre, em Fontoura que, prontamente, a pedido do Simão, tirou de uma gaiola um belo exemplar. Tome lá, leve-o consigo, só peço que o trate bem!
Claro que o vou tratar bem, respondi. Tenho uma gaiola com todos os requisitos, incluindo um tubo de rede sobre a marquise, para que possa esvoaçar à vontade.
De facto, o bicharoco ficou muito bem instalado, e do seu contentamento ele dava conta desde madrugada cedo, até ao cair da noite. Era um regalo ouvi-lo cantar!
Como rotina, a gaiola era limpa pelo menos duas vezes por semana. Para isso, o animal era retido no interior do tubo de rede, de modo a prevenir uma eventual fuga.
Quando terminava a limpeza numa quarta-feira ao fim da tarde, tocou o telefone, e estando só em casa fui atender. Não tenho já presente o que aconteceu, mas o certo é que nunca mais me lembrei do melro e da situação em que ele ficou.
No sábado seguinte, depois do almoço, preparava-me para assistir à final da Taça de Inglaterra, em futebol, quando de repente me lembrei de que algo estava errado. O silêncio, não augurava nada de bom. Corri então para a marquise e logo confirmei as consequências do meu esquecimento. Olhei para a gaiola e para o tubo de rede e vi que o melro estava morto. Não tive dúvidas de que tinha morrido à fome e à sede.
Assolado de grande tristeza, peguei nele, já rijo que nem uma pedra, embrulhei-o num jornal e coloquei-o mo balde do lixo.
A minha mulher, que entretanto chegou da rua, viu o melro no balde do lixo e com ar muito triste, perguntou: - como aconteceu isto? Nem lhe respondi. Não havia nada a fazer e o futebol já tinha começado.
Uns tempos depois, fui almoçar a casa do meu cunhado Salvador, a Moledo, e apercebi-me de uma conversa entre a minha mulher e a minha cunhada Maria do Céu.
Sabe Maria do Céu, tenho andado muito triste!
Então porquê? Perguntou.
Sabe que noutro dia, pus-me a pulverizar as plantas que tenho na marquise, com insecticida, para matar o piolho e acabei por matar o melro também!
Não me diga. E logo o bichinho que cantava tão bem!
Pois cantava, e o Octávio nem sonha que fui eu que o matei com tamanho descuido. Tenho esperança de que um destes dias arranja outro e tudo vai voltar à normalidade.
Não querendo que a minha mulher carregasse a culpa de um acto que não cometeu, aproximei-me e interrompi a conversa. Disse-lhe, que quem matou o melro fui eu, explicando-lhe, em pormenor, como tudo na realidade se tinha passado.
Teimosa, não queria aceitar a minha versão dos acontecimentos, insistindo, que foi a pulverização das plantas que matou o pobre animal. Por isso devia assumir a responsabilidade pela sua morte.
Com alguma paciência, voltei a explicar-lhe como é que tudo tinha acontecido. Não muito convencida, lá acabou por aceitar a minha versão dos factos, e finalmente conceder-me a autoria da morte do melro, deixando-me aliviado.
Ao longo dos tempos, quando recordava o assunto, pensei sempre se esta história, com dois protagonistas a reivindicar a autoria da morte do mesmo animal, não daria um bom argumento para um filme do Sherlock Holmes!
Octávio Pires
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THE SINGING BLACKBIRD
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This happened on a hot summer morning. I was having a coffee at Paval´s Bar, in Valença, when Simão arrived. We greeted each other.
Simão was good-humoured that day, so I came straight to the point which had taken me there. I wanted a blackbird and I asked him if he could get me one. He answered promptly: `Of course! Let’s do it right now!`
We went to Jofre´s house, which is in Fontoura, in order to get it. When we arrived there, Simão asked Jofre if he could offer me a blackbird. Jofre took a nice bird out of the cage and said: `Here it is! Take it with you! I just ask you to treat it well!` I replied `Of course, I will! I have a cage ready with every required accessory, including a net tube towards the glass balcony, so that the bird can flutter and feel free.
The blackbird really liked the spot and felt comfortable in that new atmosphere. The bird showed its contentment singing from dawn to sunset. It was really nice hearing it sing!
The blackbird cage used to be cleaned at least twice a week. While the cleaning process occurred, the bird had to be kept inside the net tube so that it couldn’t fly away. On a Wednesday evening, the telephone rang while I was cleaning the cage. There was no one else at home, so I answered it. I don’t remember quite well what happened that day, but the fact is that I completely forgot the bird and how it had been left.
On Saturday, after having lunch, I got everything ready to watch the England World Cup Final Tournament on TV, but…all of a sudden I had a bad feeling… There was too much silence, something was wrong… I ran towards the glass balcony and then I realised the consequences of my absent-mindedness. I looked at the cage and the net tube and I saw the blackbird lying dead. No doubt that it had died of hunger and thirst. I felt a great sorrow and pain inside! I picked it up, it was already stiff as a board, wrapped it in a newspaper and threw it into the rubbish bin. When my wife arrived home, she saw the dead blackbird in the dustbin and asked me desolately: `How did it happen? ` I didn’t even answer. There was nothing we could do to solve the situation. Meanwhile, the football match had already started….
Some time later, we went to my brother-in-law’s house for lunch. He lives in Moledo. While we were having lunch that day, I heard my wife saying to Maria do Céu, a sister-in-law of mine: Do you know something? I’ve been really sad!´ ´Why?´, she asked me. `Some days ago I sprayed the plants with an insect-repellent and I ended up killing the blackbird!´ `Oh, really? It sang so beautifully!...”´, answered Maria do Céu. ´Yes, it did! … Octávio can’t even imagine that it was me who killed it in such a negligent way! ´I hope he can get another one and things will be normal again! I didn’t want my wife to hold the burden of guilt for something she hadn’t done. I approached them and interrupted their talk by telling that I was the one to be blamed for the blackbird’s death. Then, I explained the way it all had happened.
My wife is really stubborn, so she didn’t want to believe my story, insisting that it was the insect killer that had made the poor bird die. Therefore, she assumed all the responsibility for that.
Very patiently, I explained to her what had happened over and over again. She didn’t seem convinced, but she eventually accepted my version of the bird’s death. She made me feel relieved for acknowledging the true fact.
As time passed by, whenever this episode came to my mind, I always thought that this story with two main characters claiming responsibility for the death of the same animal might be a good storyline for a Sherlock Holmes’s film.

Octávio Pires

OS TEMPOS DE ESCOLA


OS TEMPOS DE ESCOLA

Fui uma criança como todas as outras. Começo por ir à escola primária todo contente para ir aprender a ler e escrever, mas logo começo apreensivo ao ver um professor mal-encarado com cara de poucos amigos.
Os dias foram correndo até que um dia esse mesmo professor viu que eu escrevia com a mão esquerda, chamou-me ao quadro negro e aí é que começou o trauma que ainda hoje me persegue. Prendeu-me a mão esquerda com uma corda e obrigou-me a escrever com a mão direita. Isto levou dias, talvez semanas, sempre que era chamado ao quadro tinha que escrever com boa caligrafia senão estava a levar uns tabefes, outra vez umas reguadas.
Para mim foi um ano traumatizante!
Quando cheguei ao fim do ano lectivo, esse mesmo professor reprova-me.
Felizmente mudei de professor, e então passei a escrever como me apetecia, fiz a quarta classe, hoje 4º ano. Continuei a estudar, fiz o ciclo preparatório, hoje 6º ano. Depois fui para o curso da Indústria (Serralheiro Mecânico), que não consegui acabar.
Foram tempos difíceis!

Vítor Gigante

MY TIMES AT SCHOOL
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I have always been a normal child. At first, I felt happy to attend primary school, because I was anxious about learning to read and write, but soon I became fearful when I met my bad-tempered, grouchy teacher.
As time went by, my teacher realised suddenly that I wrote with my left hand. He asked me to go to the blackboard and that’s when the trauma started. He tied my left hand with a rope and forced me to write with my right hand. This situation went on for days, maybe for several weeks and every time I had to go to the blackboard, I had to show excellent handwriting, otherwise the teacher would slap my face or hit me with a wooden ruler.
That year was actually a complete trauma!
I didn’t pass that school year! Fortunately, the following year I had another teacher and then I could write the way I felt like. I finished 4th grade. I continued my studies and finished elementary school. Then I attended an industrial course in locksmithing and automotive mechanics, which I have not yet completed.
Those were hard times, indeed!


Víctor Gigante

ANIMAIS NA MINHA VIDA


UM GATO AMIGO NA ADOLESCÊNCIA

Certo dia cheguei a casa às duas horas da tarde, já tinham passado as horas do almoço, minha mãe tinha deitado a comida no prato.
Eram batatas cozidas com bacalhau, mas estava tudo frio, eu comecei a embirrar e disse-lhe que não comia. Minha mãe não ligou e saiu para a rua.
Deixei a minha mãe sair e resolvi voltar para a mesa almoçar, quando lá cheguei verifico que a comida tinha desaparecido, mais propriamente o bacalhau. Foi o gato! O meu gato, o gato que eu tanto estimava, um animal grande e bonito, todo malhado, parecia um gato bravo.
Apesar da amizade que me ligava àquele bicho, a raiva que senti foi tanta que peguei na vassoura e dei-lhe quatro vassouradas, ele não gostou, virou-se e atirou-se a mim. Nunca vi um gato tão assanhado, dizem que os gatos têm sete vidas, aquele tinha as vidas todas, estive em aflições.
Abri a porta da cozinha e o gato saiu disparado pelo corredor, levando a janela da sala com ele. Desfê-la toda, foi mais um prejuízo que eu tive que pagar do meu bolso, naquele fatídico dia.
Ninguém queria acreditar no que havia acontecido, mas como o gato não aparecia, foram aos poucos acreditando.
O gato andou desaparecido mais de uma semana, quando apareceu mal me via, bufava para mim e fugia.
Nunca me perdoou a minha birra da adolescência, deixei de ter um amigo!

Manuel Gonçalves

A FRIENDLY CAT
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One day I arrived home at two o’clock in the afternoon. My mother had left some food on a dish and as it was already late, It was cold. The meal consisted of cod with boiled potatoes. I got annoyed with the situation and told my mum I wouldn’t eat lunch. My mother didn’t care and went out.
I waited till she went out and eventually decided to sit down again to have lunch. When I returned to the table, I saw that the food had vanished, all the cod had gone. It was the cat! My cat, which I truly cared about, a beautiful big tabby animal, had behaved badly.
Although we had a close relationship, at that moment I felt so much rage that I took the broom and hit the cat four times. The cat didn’t like it, so it turned round and fought back, throwing itself at me. I had never seen such an enraged cat! It is said that cats have seven lives, that one had countless lives. I was really distressed!
I opened the kitchen door and the cat ran out towards the corridor shattering the door window into pieces. That was another expense I had to pay by myself on that fatidic day.
No one could believe what had happened, but as the cat didn’t show up again, they started accepting the situation.
The cat had been away for more than a week. When it returned, it kept looking at me apprehensively, growling at me and then simply running off.
The cat has never forgiven me for my sulky, teenage attitude! I lost a friend, indeed!


Manuel Gonçalves

PESSOAS ESPECIAIS NA MINHA VIDA


Amigos Para Não Esquecer – 1968/70

Esta foi uma fase da minha vida que eu não vou esquecer, por estranho que pareça, é nestes momentos que por vezes nós encontramos algo que só acontece uma vez na vida.
Em pleno serviço militar, quando acabei a especialidade fui colocado na E. P. A. em Vendas Novas, lugar e momento em que fui descobrindo a mais sincera amizade. Havia apenas 4 pessoas recém chegadas, era de todo necessário começar a fazer novos conhecimentos, a começar pelos vizinhos de camarata.
Foi assim que começou a minha história.
O meu vizinho mais próximo era o Joaquim Gomes, soldado como eu, vindo dos lados de Viseu. Feitas as primeiras apresentações, principia uma camaradagem sem limites.
Durante dois anos vivemos o que eu chamo amizade entre dois jovens, tudo era partilhado.
O Joaquim tinha a sorte de ter uma das irmãs a viver perto do quartel, enquanto eu tinha de esperar no mínimo três meses para visitar os meus familiares. Incomodava o meu amigo sair ao fim de semana e ver-me a ficar no quartel. A partir daí, começou a fazer todas as tentativas para me levar com ele para a casa da irmã, que não me conhecia de lado algum. Não foi fácil para mim aceitar o convite. Um dia lá fui, o meu amigo era incansável para que eu me sentisse bem no seio daquela simpática família.
À medida que o tempo passava aumentava a nossa cumplicidade até ao dia em que o serviço militar chegou ao fim. Três anos passados, já era tempo! Com a alegria própria dos últimos momentos, vivemos aquelas horas com muita azáfama por nos sentirmos livres de novo. Foram estes os últimos momentos que estive com o Joaquim. Ele foi mais despachado do que eu, cruzou-se comigo na parada e demos um abraço prometendo que nos contactaríamos em breve. Nunca mais vi, nem ouvi o meu amigo, a verdade é que ele iria residir para Setúbal e logo que estivesse instalado me enviaria o seu endereço. Ainda não perdi as esperanças de nos encontrarmos o que seria para mim, concerteza, uma grande alegria.
Esta foi sem dúvida a maior amizade da minha vida.

José Domingos
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UNFORGETTABLE FRIENDS
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Strange as it may seem, I’ll never forget this period of my life because moments like this one only happen once in a lifetime.
While I was doing my military service and after qualifying in my speciality, I was sent to Vendas Novas` barracks. There I developed the most genuine friendship ever. We were just four soldiers, newly arrived and I felt I needed to meet new people, so I began getting to know them.
That’s how things got started. My true mate was Joaquim Gomes, another soldier from the suburbs of Viseu.
We became good friends to the point of sharing everything we had.
Fortunately (for him), Joaquim had a sister living near our barracks. On the other hand, I could only see my own family every three months. At the weekend my friend would be worried and sad for leaving me all alone at the barracks. Little by little he tried to convince me to stay at his sister´s at the weekend, but being a complete stranger to her, I felt a little uneasy and found it hard to accept his invitation. Eventually though I did. Joaquim tried his best to make me feel comfortable amongst his friendly and welcoming family.
As time went by, our bond became stronger and stronger till the day we left. All in all we spent three years of our lives together. We felt great going back home! The Just before leaving we were very excited and anxious because we were about to be free again. I have never seen Joaquim again. He managed to pack his things before me, so we only met later at the parade ground. We gave each other a hug and promised to see each other again. We haven’t been in touch since. He told me that he would move to Setúbal and as soon as he had settled down, he would send me his new address. I haven’t given up the hope of seeing him again. That was the nicest friendship I have ever had.

José Domingos

TRADIÇÕES, COSTUMES E FESTAS


As tradições, costumes e festas da minha aldeia

As festas populares de S. Lourenço faziam parte das tradições populares da minha aldeia. Aí toda a gente se encontrava, chegavam pessoas de outras aldeias e lugares para participar nesta festa que era de todos.
As festividades começavam logo de manhã bem cedo com a chegada das bandas de música e com as cerimónias religiosas. Vestíamos roupas novas e bonitas para a ocasião. Então saía do adro da igreja a procissão do Santo com os anjinhos e as demais figuras habituais onde toda a gente participava.
Depois de acabar as cerimónias religiosas começava a tocar a música popular. Juntávamo-nos todos de volta do coreto a dançar e a ouvir cantar ao desafio. A animação prolongava-se por todo dia. Raparigas e rapazes solteiros conviviam e arranjavam namorados. Ao final do dia voltava-se a casa para o jantar com tudo que havia de melhor: cabrito assado no forno de lenha com batata e salada e muitas mais coisas e a sobremesa era leite-creme, aletria, filhoses e a bebida que acompanhava o repasto era o vinho verde branco, tinto e água. No final do jantar voltava-se à festa para conviver e assistir ao fogo de artifício. A festa normalmente prolongava-se pela noite dentro. Assim se passavam as festas.
Depois seguia-se uma nova semana.
Os domingos à tarde na minha aldeia eram passados no largo da igreja onde se juntava toda a mocidade. No adro da igreja juntavam-se os moços das aldeias vizinhas a tocar concertina e dançávamos até ao anoitecer. Como forma de agradecimento aos tocadores no final da tarde todos aqueles que se encontravam no adro da igreja juntavam-se e tiravam uma subscrição.
Nós, as moças ficávamos todas contentes porque tínhamos passado uma tarde bem passada.
Assim se passavam as festas tradicionais de S. Lourenço e os domingos na minha aldeia, em Marinhas, Esposende.

Fernanda Loureiro
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MY VILLAGE TRADITIONS, CUSTOMS AND FEAST DAYS
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The emblematic feast of our patron saint `St. Laurence` was part of my village’s popular traditions. On this day, people get together with those from nearby villages. This feast is supposed to be celebrated by everyone!
This festivity start early in the morning with a marching band and religious ceremonies. We used to wear fancy new clothes on that special occasion. A procession starts from the churchyard, bearing the patron´s image, angels and other holy pictures. Everybody participates in this holy procession.
After the religious ceremonies had come to an end, we used to listen to folk music. We would gather around the bandstand and dance, listening to typical `cantares ao desafio` ( when two folk singers take turns to make up a rhyme scheme and challenge each other, mostly using promiscuous verses). This lively atmosphere continued all day long. Single boys and girls met each other and flirted. At the end of the day we used to go back home and have a good dinner, which, among other things consisted of, wood oven roasted kid with potatoes and salad. We drank homemade red or white wine and water. For dessert, we used to have leite-creme, vermicelli and filhoses (similar to pancakes). After dinner, we would go back to the festival to enjoy ourselves and watch the fireworks. The feast usually went on till late at night. That’s the way it used to be.
Then, another week passed by. In my village, we used to spend our Sunday afternoons at the churchyard; that was the youngsters´ meeting point. Some boys from nearby villages would come along, too. Some would play the concertina and we would dance till it got dark. As a way of showing our gratitude to the concertina players for their performance, we gathered some money and gave it to them. We, the girls, were very happy because we had a lot of fun on those afternoons.
This is how the traditional feast of St. Laurence and our Sunday afternoons used to be in my village called Marinhas, in Esposende.
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Fernanda Loureiro

MOMENTOS INESQUECÍVEIS NA MINHA VIDA


Momentos inesquecíveis da minha vida

Foi no ano de 1965, tinha apenas 18 anos de idade, aconteceram momentos inesquecíveis na minha vida que jamais esquecerei.
Nessa altura existia a Mocidade Portuguesa, organização que fazia os concursos nacionais e internacionais de trabalho, trabalhando eu de soldador nos Estaleiros Navais de Viana, fui um dos escolhidos para ir representar a Empresa no concurso nacional de trabalho em Lisboa, tendo ficado em primeiro lugar. Desse modo fiquei seleccionado para ir representar o País na especialidade de soldadura, concurso internacional de trabalho que se realizaria na Escócia. Viria a conseguir uma classificação muito honrosa, o terceiro lugar, que me deu direito a uma medalha de bronze, assim como prestígio para mim e para a Empresa. Como é de calcular, este momento da minha vida marcou-me profundamente, fiquei orgulhoso e feliz pelo acontecido, jamais poderei esquecer.
Tenho que reconhecer, que a Empresa onde trabalhei durante 40 anos compensou-me monetariamente, aumentando o meu salário, prova evidente dos bons serviços que tinha acabado de prestar, devo confessar que tudo foi como um sonho. Com passar dos tempos tudo passou ao esquecimento, ao longo dos anos houve várias reestruturações e mudanças nas chefias da Empresa, como tal foram-se esquecendo dos bons serviços que eu prestei, de modo que nos últimos anos que trabalhei na Empresa não ter sido apreciado o meu desempenho, mas enfim, a vida é assim!
Contudo, nunca deixei de dar o meu melhor em prol da Empresa, até ao último momento que lá trabalhei, pois foi aí que eu cresci e me fiz homem para a vida.

Manuel Soares

Unforgettable moments of my life
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When I was eighteen years old, in 1965, I experienced some wonderful and unforgettable moments.
At that time, there was the Portuguese Youth Movement. This association was responsible for national and international work contests. At that time, as I was working as a welder at Viana do Castelo´s Naval Dockyard, I was chosen to represent my company at a Lisbon’s National Contest of Work. Having been awarded the first place, I was selected to represent my country in the International Contest of Work which would take place in Scotland. I reached an outstanding position, namely, third place. Therefore, I was awarded a bronze medal, which was a prestigious experience for both myself and for the reputation of my company. That episode has definitely touched my life very deeply. I felt really happy and proud of what I had achieved. I will never forget this experience as long as I live.
I must confess that the company in which I have worked for 40 years has rewarded me in financial terms, having raised my salary. That was true evidence of the good service I gave. That was like a dream come true. As time went by, this episode became overlooked. For years there has been considerable rearrangement and a great change in the company’s main business interests. The role that I had once played has just been forgotten. During the last years I’ve worked there, my performance has been neglected. Well… that’s life!
Nevertheless, I always did my utmost on behalf of the company until the very moment I left, because it was there that I matured into real man!
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Manuel Soares

VIAGENS


História de viagem

Numa viagem de regresso a casa vindo das Caraíbas desembarquei em Miami na Florida, já no aeroporto fui a um café-restaurante para comer e beber uma pequena refeição, no balcão pousei a minha bolsa portátil onde transportava o dinheiro que consegui ganhar em sete meses de trabalho, não era habitual eu pousar minha bolsa em lado algum mas aconteceu naquele dia! Pousei-a e não mais me lembrei dela. Paguei a conta com dinheiro do porta-moedas e dirigia-me para a porta de embarque do avião quando de repente ouvi alguém chamar! Vi um braço no ar com a minha bolsa na mão! "Please! Please!" Eu olhei e perguntei! "Can y elp you?" - "Yes", disse a mulher de feições asiáticas – "Takes, this portable bag is yours!" quando vi a minha bolsa disse! "Ah! Olha é a minha bolsa!" Fiquei bloqueado sem dizer palavra, agarrei a bolsa e quando lhe disse – "thanks a lot" – já não a vi mais. A bolsa continha as minhas economias de sete meses de trabalho a bordo, era uma bela quantia.
Quando entrei no aeroporto em Miami a minha cabeça já tinha esquecido este episódio e pensava apenas em Portugal!

Manuel Lomba
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A journey episode
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On the way back from a journey to the Caribbean, I disembarked in Miami, Florida. While I was at the airport, I went to a snack-bar to have something to eat and drink. I put my hand bag on the counter which contained my salary from the last seven months. I wasn’t used to laying my bag anywhere but it really happened that day. I put it down and simply forgot to pick it up again. I paid the bill with the money I had in my wallet. While I was moving towards the departure gate, I heard someone cry out `Please, please!`, with her arm raised and holding my bag. I looked at her and asked, ´Can I help you?` `Yes`, replied the Asian-looking woman. ´Take it, this hand bag is yours!´ When I saw my bag, I said `Oh, that’s my bag!´ I was stunned and speechless. I picked up my bag and when I said `thanks a lot`, the Asian woman had already disappeared.
That bag had all of my savings, all the money I had earned for seven months of work onboard . It was a large amount of money!
When I got into the plane, I had already forgotten this incident. I had my mind set on Portugal.

Manuel Lomba

TRADIÇÕES, COSTUMES E FESTAS

A matança do porco na casa dos meus pais

Quando chegava o mês de Novembro, era altura de pensar em matar o porquinho, que em casa era criado para alimento da família durante o ano.
Chegado o dia começava a azáfama: seis horas da manhã e já toda a família estava a pé, havia que ter tudo em ordem porque o matador, Sr. António (Mascôto de apelido), não tardava nada a chegar.
O meu pai não gostava muito de ver matar, contudo e porque o porco pesava sempre mais de dez arrobas tinha de ajudar a segurá-lo uma vez que o animal até ser imobilizado fazia muita força e eram precisos sete a oito homens, normalmente recorríamos à ajuda dos vizinhos.
Morto o animal lá vinham os comentários do matador vitorioso: “foi como um tiro, e sangrou bem!” Entretanto a minha mãe, que mexia o sangue para não coagular, dizia: “vá passa a (tranca) e os figos secos a essa gente antes de começar a chamuscar”. E assim com palha de centeio que era acesa em pequenos molhos e batida contra o porco se chamuscava o animal até a pele ficar loirinha. Depois lavava-se com água quente e sabão, esfregando com uma pedra escolhida a jeito.
Após este trabalho, realizado no exterior, era altura de levar o porco para o interior da casa a fim de ser pendurado, aí tiravam-se as tripas que ainda quentes eram desfiadas para serem lavadas e raspadas num ribeiro de água limpa e corrente, depois eram postas em água sal e limão, de seguida eram cheias com carne, cebola picada e sangue dando origem às famosas: chouriças sanguinhas. Faziam-se também os saborosos salpicões, estes de carne mais nobre, cortada aos pedaços e posta em alguidares com vinho e especiarias durante dois dias.
O porco ficava pendurado durante vinte e quatro horas a fim de arrefecer a carne para poder ser salgada, pois era a maneira de então esta ser conservada durante o ano.
No fim destas tarefas era feito o sarrabulho que era um almoço melhorado onde normalmente se aproveitava para juntar a família. Todo este ritual era feito com muita alegria.
Havia agora que pensar em juntar dinheiro para comprar outro porco pequenino de modo a proceder ao mesmo ritual no ano seguinte.
Osvaldo Cruz
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THE BUTCHERING OF THE PIG

By November, we had started thinking about slaughtering the pig, which had been reared for the purpose of feeding the family throughout the year.
The hectic atmosphere started very early in the morning. At half past six all the family members had already woken up and were prepared for the big event. They had everything ready for the butcher (slaying is very violent, usually reserved for murder, personally I wouldn’t use it for a butcher who was just doing his job) . Mr. António, nicknamed Mascôto, was about to come up!
My father didn’t like to watch the pig being slaughtered. However, he had to help the other men to seize the pig. The animal weighed more than 150 kg (about 300 pounds) and it resisted strongly till the moment it was immobilised. It took seven strong men to get hold of it. We usually asked our neighbours to help.
After the slaughter, the butcher boasted, ´It got it straight in the heart! And it bled nicely!’ Meanwhile, my mother who was stirring the blood so not to coagulate said, ´Come on! Bring the mug and serve these people with wine and dried figs, before they start singeing the pig!` They used bunches of rye straw which were lit first and then they fanned the pig with them to scorch the skin. They had to do this as many times as possible for the skin to shine. After this, they washed the pig with warm water and soap, rubbing its skin with a flat stone.
After the out-door procedures, they took the pig into the house to be hung. Firstly, they removed its guts, which were still warm and then these were emptied and cleaned. The guts were later taken to a sweet water creek. The women washed and scraped them. Then, these were immersed in water with salt and lemon for a while. Next, they’d be filled with meat, minced onion and blood. These ingredients produce the renowned blood sausages called Chouriças Sanguinhas.
Besides the so-called Chouriças Sanguinhas, we also used to make tasty pork sausage using fine meat cut into pieces and immersed in a bowl with wine and spices for two days.
The pork was left hung for twenty-four hours, so that the meat could cool. Finally, the meat was salted to be kept throughout the year.
After all these chores, the family would finally gather together for a nice lunch. We used to eat Sarrabulho (a typical Portuguese dish, a kind of heavy soup made with bread or rice, blood and pork meat cut in very small pieces). Everybody had a lot of fun sharing in this ritual.
Soon after this communal celebration, people used to start saving money to buy a piglet, so that this ritual could happen again the coming year.

Osvaldo Cruz

TRADIÇÕES, COSTUMES E FESTAS


TRADIÇÕES, COSTUMES E FESTAS

No sábado de Aleluia pelo meio-dia era realizada na Praça da República a queima do Judas e eu ia sempre com o meu falecido avô. Lembro-me como se fosse hoje e já lá vão cinquenta anos, a Praça da República com o seu separador central, feito com pedras de calcário e basalto, era muito bonita!
Nessa altura existia a casa “Figueiredo”, onde se compravam os selos, o tabaco avulso etc.; o bazar “Couto Viana”, uma loja de brinquedos que eram feitos de madeira e chapa laminada; também havia o quiosque da “Lúcia” onde ao domingo ia comprar o jornal Primeiro de Janeiro, porque trazia um suplemento cok cromos de colecções várias como a História de Portugal o Príncipe Valente etc. Existia também o Banco de Portugal, que é hoje o Museu do Traje.
O Judas representava uma figura pública que por motivos diversos o povo queria julgar e castigar, como se estava em plena ditadura salazarista, estas personagens eram alegóricas.
O fogo, introduzido no Judas, era preso, o que tornava o espectáculo muito bonito e nós miúdos delirávamos com tudo aquilo e não parávamos de bater palmas.
Hoje continua-se com esta tradição de Queimar o Judas, a Junta de freguesia de Monserrate fá-lo, porém em moldes diferentes. O fantasma da censura já não persegue ninguém e assim há mais espaço para a liberdade e criatividade na realização desta tradição popular.
Outra tradição muito apreciada pelos católicos, aqui na região Norte, é a visita do compasso. No domingo de Páscoa, realiza-se nas freguesias da cidade e do concelho o compasso Pascal ou a saída da Cruz, um costume que tem como objectivo levar Jesus Cristo ressuscitado a visitar as casas. O padre dá a beijar a imagem de Jesus a todos os presentes e depois há os comes e bebes porque nessa altura não se olha a meios para se ter uma mesa farta, convidam-se os familiares mais próximos e os amigos.
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João Branco

TRADITIONS, CUSTOMS AND FEASTS

Every Alleluia Saturday, at midday, in the Republican Square, Judas* was set on fire to be punished. I used to join the event with my grandfather, who has since passed away. It had been fifty years since the festivity had happened. I remember that scene as if it were yesterday. The Republican Square is ornamented by a separator made of limestone and basalt stones. It is beautifully decorated.
In those days there was Figueiredo´s shop, where stamps and shredded tobacco could be bought. There was also Couto Viana´s bazaar, a toyshop that sold wooden and laminated-plate, toys. Nearby, there was a newsagent’s called Lucia where I used to buy the Primeiro de Janeiro newspaper on Sunday. With the newspaper came a stickers’ supplement from several collections such as the History Portugal, Prince Valiant, and Banco de Portugal (which is now the Costume Museum).
Judas represented a public figure who for several reasons the crowd wanted to put on trial and punish, which was commonplace under the Salazar’s dictatorship. This character was simply symbolic. Judas was put on fire under a fireworks display, which made the show even more spectacular. As kids, we used to go crazy and couldn’t stop clapping our hands.
Nowadays the tradition of burning Judas is still alive. The Monserrate´s parish council still practises this ceremony, but in a different way. The spectre of censorship doesn’t exist anymore. Therefore, in order to make this popular tradition come true, there’s much more freedom and creativity.
The Easter visit is another much appreciated tradition by the Catholics, here in the northern part of Portugal. On Easter Day this event takes place in every parish of the city. The aim of the Easter Visit custom is to take the resurrected Jesus into Christians` homes. The priest takes the cross to people’s homes to be kissed where he is welcomed with food and drinks. On that occasion families have a lavish banquet and invite their close relatives and friends to join them.

* a symbolic public figure who is punished by the people

João Branco

ANIMAIS NA MINHA VIDA


O animal da minha vida

Chamava-se Tutu, era uma cadela com apenas três meses, toda preta e com as patas brancas, que passou a fazer parte da minha família em 1972, quando já vivia em França. Cresceu com os meus filhos e era membro da família, companheira inseparável e meiga.
Todos os anos, eu vinha de férias a Portugal, ela ficava entregue aos cuidados de uma vizinha. Durante os primeiros dias, após a minha partida, a Tutu recusava comer e esperava por mim à porta de casa. Só passados alguns dias, é que ela aceitava comer e entrar para dormir. Quando regressava, ela ficava feliz, não parava de correr de alegria e não me largava.
Em 1983, decidi, com a minha família, regressar a Portugal. A Tutu fazia parte da bagagem. Durante a viagem, feita numa carrinha Peugeot J7, ela teve um comportamento estranho: quando fazia paragens nas áreas de serviço, todos podiam sair da carrinha, mas eu, como era o condutor, não me podia sequer afastar-me porque ela começava logo a uivar, pensando que os ia abandonar.
A viver em Portugal, a Tutu passou a ouvir uma nova língua. Foi um período de adaptação, porque ela não obedecia às ordens dadas em português, só percebia francês, mas como era uma cadela inteligente, meses depois, a Tutu passou a entender tudo.
Em 1985, esta cadela criou um pinto como se fosse sua cria. A Tutu tinha parido um cão que morreu à nascença. Ficou deprimida e como nessa altura tínhamos uma galinha que tinha chocado um pinto e logo depois morreu, a Tutu adoptou esse pinto. Ela aconchegava-o e apanhava-o coma boca, só não o alimentava porque não podia.
Depois de um problema de saúde, em 1989, a Tutu deixou-nos, toda a família chorou a sua morte e ainda hoje é considerada “ o animal da nossa vida”.

Manuel Oliveira Parente


The pet of my life


Tutu was a black and white-pawed three-month old she-dog and she became part of my family in 1972. I was living in France then. She grew up with my children and was considered a member of the family. She was a very dear and loyal companion.
Every year, I used to go to Portugal on vacation. A French neighbour of mine used to take care of her. Soon after my departure, Tutu initially refused to eat and would wait for me at the front door. Only a few days later would she behave normally, accepting food and coming in to sleep. On my return, she would be happy and joyful. She would run around me, over and over again.
In 1983, my family and I decided to move back to Portugal. This time, Tutu was to come along with us. I drove a Peugeot J7 on the journey and behaved strangely every time I stopped at the highway rest areas. She began howling the very moment I got out of the car. She was afraid of being left behind, I guess. Therefore, I had to stay in the car with her.
From the moment we arrived, Tutu had to get acquainted with a new language. She couldn’t take orders, because they were given in Portuguese and not in French, but keen as she was, months later she could understand us.
In 1985, Tutu gave birth to a dead puppy, thus becoming mournful and distressed. Fortunately, we had a chick whose mother had died, so Tutu raised it as her own. She used to bring it along with her, grabbing in her mouth. Feeding it was the only thing Tutu couldn’t do at all.
In 1989, Tutu had a serious health problem and she soon passed away. Everybody cried for her. Tutu is still considered the pet of our lives!

Manuel Parente

MOMENTOS INESQUECÍVEIS NA MINHA VIDA


Nobreza de alma

Um dia fui ao Porto, como ia muitas vezes, ao médico da asma. Era ainda cedo para a consulta e fui ao café tomar o pequeno-almoço. Enquanto esperava que me atendessem, entrou uma menina com uma aparência de pobreza extrema, muito suja, e com uma cara de passar fome. Dirigiu-se a uma mesa onde estavam cinco homens que conversavam e riam em gargalhadas altas. Tinham tudo de bom para um pequeno-almoço à sua frente.
Pedia uma esmolinha para comer, estava cheia de fome. Os senhores que estavam na dita mesa, continuaram a rir na mesma e sentindo-se incomodados pela presença daquela pobre criança, que continuava pedindo, e não ia embora, chamaram o empregado para a pôr fora do café.
Levantei-me da mesa, peguei na menina pela mão, levei-a à casa de banho, lavei-lhe a cara, as mãos, penteei-a e perguntei-lhe porque pedia. Ela disse-me que toda a sua família havia sido posta fora de casa, porque o pai tinha tuberculose, deixou de poder trabalhar e não puderam pagar o aluguer. Viviam debaixo de uma barraca perto da ponte D. Luís, tinha mais três irmãos. Perguntei-lhe então se queria dinheiro ou comer. Respondeu de imediato que queria comer. Levei-a para a mesa, sentei-a a meu lado, chamei o empregado, pedi um copo de leite e torradas e dei-lhe. Era o que ia pedir para mim. Como não tinha mais dinheiro no bolso, a não ser o do bilhete para o regresso de volta a Viana, fiquei sem pequeno-almoço, até às 14h, mas com o coração cheio de alegria por fazer feliz ainda que por momentos uma criança! Ela agradeceu-me com um beijo. Dizendo obrigada por ser minha amiga. Ainda hoje o sinto, por ser o mais grato que recebi.
Um senhor que estava sentado numa mesa a um canto levantou-se, veio ter à minha mesa e disse-me: -Gostei da sua nobreza! Deu-nos a todos nós uma boa lição. Agradeci, dizendo: - espero que a ponha em prática. Sorriu! E saiu com uma expressão de repúdio virado para a mesa dos homens. Fui levar a menina à porta, sorri-lhe, ela disse-me adeus com as mãos e atirou-me outro beijo sorrindo! Tenho a certeza que se for viva nunca vai esquecer aquele momento. Porque eu também nunca vou esquecer.
Foram momentos como este que me ajudaram ser, a mulher que hoje sou!

Maria José

Nobility of the soul

One day I went to Porto, as I was used to, for a medical appointment. I arrived there very early, so I decided to go to a café to have breakfast to kill some time. While I was waiting, a little girl came in. She was very poor, she wore very filthy clothes and looked famished. She approached a table where there was a group of five men chatting and laughing out loud. They were having a first-class breakfast.
The girl was begging them for money. She was starving. The men sitting around that table just ignored her and kept on laughing. She begged for money again. They looked down on her and as she didn’t leave, they asked the waiter to take her out of the café.
I stood up and took her by the hand to the bathroom. I washed her face and hands, combed her hair and asked her the reason she was begging. She told me that all her family had been evicted, because her father suffered from tuberculosis and as he had lost his job, they couldn’t afford to pay the house rent. Therefore, they were living in a slum, under D.Luís Bridge. She had three brothers. I asked her if she wanted money or food. Immediately she replied that she wanted food. I took her to the café table and sat her down by my side. Then I called the waiter and asked him to bring her a glass of milk and some toasts. That was the breakfast I was supposed to have. As I didn’t have any extra money on my pocket, except the amount for my return ticket to Viana, I couldn’t have my breakfast. I didn’t eat anything till 2 o’clock in the afternoon, but in return, my heart was full of joy for having helped that little girl, even if it was only for a single moment.
The girl showed her appreciation with a kiss and thanked me for being her friend.
I still remember that moment. That little girl’s attitude had been the most gratifying thing I have ever experienced.
While I was sitting at that table, an old man came to me and said, ‘I appreciated your noble deed! You have given us a good moral lesson!’ I thanked him and answered, ‘I hope you can make it come true!’ He smiled and went away. He left the café, looking at those other men in despise. I took the girl out of the café, I smiled at her and she said goodbye, waving her hands and sending me a smiling kiss. I’m sure that, if she is still alive, she hasn’t forgotten that moment. Neither will I.
Moments like that have helped me to transform myself into the woman I am today!

Maria José

MOMENTOS INESQUECÍVEIS NA MINHA VIDA


Noite trágica no mar da Mueda

Era dia de S. Pedro, 29 de Junho de 1968, dia em que ofereci uma prenda à minha namorada. Nesse dia, cerca da meia-noite, juntei-me aos camaradas, que constituíam a tripulação do barco “Jorge de Jesus”. Efectuados os preparativos de partida para a faina, zarpamos rumo ao pesqueiro, no mar da Mueda, a norte da cidade galega de Vigo.
Estávamos cansados, então toda a tripulação, com excepção do homem do leme, de nome João Peres, desceu aos beliches para descansar. Depois de duas horas a navegar, ouviu-se um grande estrondo. O barco tinha sido abalroado, o que provocou um acordar sobressaltado, como é natural num caso destes. Todos subiram ao convés, confirmando-se o abalroamento provocado por um navio de carga, de pavilhão Norueguês, de nome “Byard”.
Com o embate, o nosso navio, Jorge de Jesus começou a afundar-se pela ré, tendo cada um dos tripulantes iniciado, com grande angústia, o seu próprio salvamento, uns agarrados ao que restava da “gamela” outros a latas e tábuas soltas.
Durante cerca de 4 horas, foi um batalhar entre a vida e morte e dos 11 que compunham a companha, apenas 6 escaparam. Um atrás de outro, foram 5 os camaradas que morreram afogados.
Já o dia ia alto quando os sobreviventes foram avistados pelo pesqueiro Virgem das Graças, do Porto de Viana, que nos içou para bordo e nos prestou os primeiros socorros.
Rumámos em direcção a Viana, onde um mar de gente nos aguardava, ansiosa por notícias. Foi um momento indiscritível de dor, vivido pelos familiares daqueles cuja sorte não deixou regressar.
Quanto a mim, depois de alguns dias de recolhimento e algum pesadelo, voltei à faina da pesca, no barco “Mártir S. Sebastião”.

João José Matias

Tragic Night at the seaside of Mueda

One day whilst on a fishing expedition out in the Northern Sea in the Galician waters, the narrator’s vessel was hit by a cargo vessel named “Byard” which took the life of a few of the crew members. After a few long hours they were rescued by a homeland fishing boat and taken home. It was a sad moment in his life but life kept on going, so he ended up going back to the sea after mourning his fellow fishermen.