05/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (II)

(Festas de Santa Marta de Portuzelo - Agosto.1949)


Nasci na rua do Loureiro, na freguesia de Monserrate em Viana do Castelo a trinta um de Janeiro de mil e novecentos trinta e dois.
Meu pai era Guarda-fiscal minha mãe doméstica, nasceram cinco filhos, três raparigas e dois rapazes.
A minha infância foi passada a brincar com os meus irmãos. Recordo-me de um dia meus pais nos felicitarem com uma ida ao circo. No dia seguinte resolvemos fazer um circo entre nós em casa, cada um fazia um número que queria, vestimo-nos de artistas, em volta da cinta enrolamos os cortinados de renda que se usavam nos louceiros. Minha irmã mais nova fazia ginástica e até conseguia por os pés atrás da cabeça, era uma artista completa; a do meio com uma galinha que estava choca fazia as suas habilidades; a mais velha era a dona do circo, eu e o meu irmão dávamos cambalhotas e saltos. Mas nem tudo era magia e fantasia, a certa altura entra em cena o Guarda-fiscal (meu pai) e com o cinto na mão desfez o circo todo. Ficamos com algumas lágrimas nos olhos, mas depressa inventávamos uma outra brincadeira e seguíamos em frente.
Numa outra altura, lembro a oferta que me fizeram de um cão, ainda pequenino, fiquei entusiasmado, mas depressa esse regozijo se desvaneceu, meu pai quando chegou a casa e viu o cão, deu-me logo um ultimato, logo quando regressar do trabalho não quero ver o cão em casa. Eu convenci-me que arranjava solução. Resolvi então escondê-lo num armário, porém os gemidos do animal rapidamente nos denunciaram. Meu pai, zangado por não ter obedecido, pegou num alguidar grande e como passava um regato perto do quintal, meteu-o na água com o alguidar em cima. Mas eu, mais uma vez não me dei por vencido, fui à volta do quintal, sem ele ver, levantei o alguidar e tirei o cão, verifiquei que ainda estava vivo, tentei escondê-lo num outro local seguro, mas mais uma vez fomos denunciamos, o pequeno cão, assustado com tudo que via à sua volta começou a latir. Foi o fim dele, meu pai ouviu, levou-o e enterrou-o vivo, foi um desgosto enorme!
Terminado o ensino primário fui para escola Comercial de dia, estávamos em plena segunda guerra Mundial. Aborrecido, desisti da escola, fui trabalhar na arte de alfaiate. Certo dia fizeram-me uma brincadeira que não apreciei, mandaram-me a outro alfaiate buscar a pedra de afiar as agulhas, quando lá cheguei embrulharam-me uma pedra num jornal, cheguei à rua e vi o que tinha o embrulho, aborrecido com a brincadeira, deixei ficar a encomenda à porta da alfaiataria e não apareci lá mais.
Fui estudar para a escola da noite, frequentei o segundo ano do curso do Comércio e aos 14 anos fui trabalhar para os Estaleiros Navais, de Viana do Castelo, como aprendiz de electricista.
Aos 20 anos fui chamado para cumprir o serviço militar para o serviço Militar tendo aí permanecido em Engenharia 2 na cidade do Porto, depois fui para a Escola Prática Engenharia em Tancos, onde tirei a especialidade Pontes fluviais e também de condutor auto. Voltei a Engenharia 2 no Porto para fazer a escola de cabos e fui promovido a primeiro-cabo, regressei para Tancos onde permaneci até ao fim do serviço Militar.
Em 1955 voltei a ser chamado para manobras Militares em Santa Margarida, fui anexado a uma companhia de reabastecimento. Aqui recordo uma situação engraçada que me aconteceu. Um dia mandaram-me a Camarate em Lisboa buscar explosivos com uma camioneta pesada G. M. C., que existia no exército, tivemos que fazer a viagem de noite. Perto de Santa Margarida na povoação de Vale de Cavalos, numa recta à minha frente ia uma carroça puxada por um burro, antes de ultrapassar fiz sinal de luzes, que ia ultrapassar, esses sinais eram feitos com os pés, ao chegar perto da carroça que ia sem luz, os meus faróis apagaram-se totalmente porque se desfez os pedais dos sinais, ficou tudo escuro, travei a fundo: o burro assustou-se, atravessou a estrada, com a carroça carregada de legumes e hortaliças: cenouras, repolhos, batatas, que ia para a Feira do Tramagal. Espalhou-se tudo na valeta, o burro, o dono, a carroça e os legumes. Diz-me o Furriel que ia ao meu lado: - mataste o burro! Felizmente estava tudo vivo, menos as couves, e o velhote a gritar: ai o meu burrinho, ai o meu burrinho! Endireitamos tudo, levantamos o burro e a carroça, trouxemos tudo para a estrada juntamente com o velhote, só havia algumas couves estragadas, mais nada, foi só um susto!
Quando acabaram as manobras militares regressei ao Estaleiros de Viana do Castelo e aqui fui progredindo na escala profissional, de oficial de terceira passei mais tarde a oficial de segunda, depois a oficial primeira, a especializado B, a especializado A, a Técnico Fabril e a Técnico Industrial.
Participei na construção de muitos navios, alguns bastante sofisticados em tecnologia. Como por exemplo, o famoso Gil Eanes – navio hospital. O meu irmão que andava na altura na pesca do bacalhau, na Gronelândia, foi um dos primeiros a ser lá operado.
Nos Estaleiros construíam-se navios dos mais diversos tipos: para a pesca do bacalhau; para Marinha de Guerra; porta contentores; cargueiros, como o navio Porto, navio Malange; navios químicos, para a Suécia e Brasil; navios de passageiros, como o Lobito; navios de transportes de carros e passageiros para Itália e Madeira e também para União Soviética e muitos outros. Faziam-se também muitas reparações quer nos Estaleiros de Viana mas também em Leixões e Lisboa.
Só numa reparação, em Lisboa estive oito meses. Foi quando o navio Cidade Aveiro virou em Aveiro e foi entregue para reparação à Firma Parry Son. Como eu tinha andado na construção deste navio, fui destacado para esta empresa para participar na reparação. Cheguei também a realizar várias provas de mar, para entrega de navios, algumas delas atribuladas, tanto aqui em Viana, como Lisboa e Setúbal. Algumas corriam bem, outras nem por isso, como aquela passada em Aveiro num navio que era para a Dinamarca, durante a prova ficamos sem leme porque este ficou ferrado a um bordo, andamos à deriva até aparecer o reboque de salvamento, foram momentos de alguma angústia e medo.
Casei aos 24 anos pela primeira vez, desse casamento nasceram dois filhos, uma rapariga e três anos depois um rapaz. Foram anos difíceis, o regime não permitia grandes liberdades nem grandes meios de sobrevivência. A este propósito lembro-me de uma situação ocorrida em mil novecentos e sessenta e dois quando trabalhava no navio de guerra S. Gabriel. Nessa altura a empresa precisava que fizéssemos horas extras, mas o dinheiro que nos pagavam era muito pouco, por isso resolvemos reclamar um aumento, como o pedido não foi aceite, deixamos de trabalhar. Chamaram a PIDE e fui preso com os colegas. Foi um dos piores dias de minha vida, a minha esposa nessa altura sofreu muito. Fiquei preso oito dias, por fim como não havia nada que me incriminasse mandaram-me embora.
Estive casado, trinta e três anos. Reformei-me, por invalidez, com cinquenta e seis anos, com a categoria de técnico industrial. Um ano depois em mil novecentos e oitenta e nove, minha esposa faleceu subitamente do coração. Três meses depois faleceu o meu filho, tinha então vinte e nove anos, com a mesma doença que a mãe tinha, pois era hereditária. Foi o terceiro golpe na minha vida.
Em mil novecentos e noventa, com cinquenta e oito anos, estando sozinho a viver, pois minha filha estava casada em Lisboa. Voltei a casar novamente, com a Maria José Coutinho, mais conhecida por Zeza, com quem vivo e sou muito feliz. Com ela aprendi a fazer Arraiolos, actividade que para além de ajudar a passar também contribui para o stress.
Também fui árbitro de futebol, durante sete anos, de mil e novecentos e sessenta e seis a mil novecentos e setenta e três, mas como não partilhava com certas injustiças de alguns dirigentes, abandonei. Pertencia à Associação de Arbitragem de Braga, mais tarde passou para a Associação de Viana do Castelo, conheci lá bons amigos, tanto em Braga como em Viana, alguns já faleceram.
Agora com setenta e cinco anos, meteram-me nesta alhada de aprender a lidar com computadores, mas não está sair nada mal. Já falo com o meu neto e também com os meus amigos.
Não sou crente nem ateu sou apenas um homem que à procura de Deus reza!
Manuel Gonçalves






2 comentários:

Manuel Paula disse...

Grande João Branco! Conheci-te pela fotografia é incontornável. Sou o ex-soldado Manuel Paula e estive no CIAAC entre Outubro de 1971 1a Maio de 1974.Certamente que não te vais lembrar de mim(éramos tantos), mas posso garantir-te que nos encontrámos várias vezes e falámos, nomeadamente, quando estávamos de serviço. Recordo-me que uma vez, questionei-te quanto à tua profissão e disseste-me com orgulho, que eras operário e nessa altura ainda antes do 25 de Abril" achei-te uma pessoa politicamente bem esclarecida( grande consciência de classe) e fiquei muito sensibilizado por isso. Passados mais de 40 anos, ainda me lembro desse pormenor.

Achei uma graça enorme a tua estória da farda! Deliciei-me! "O Comandante mandou-te falar com ele" presumo que já era o Tem-coronel Aristides Pinheiro? O 2ª comandante era o Major Rubi Marques. O Sargento que tratava das fardas era o nosso amigo Seixas? Depois acabaste por ir ao Casão Militar de Santa Clara( que fica a poucos metros do local onde nasci).

Foi um privilégio enorme, poder contactar um antigo camarada, mesmo sendo desta forma!

Deixo-te aqui, um forte abraço.
Muita saúde é o que nós precisamos na nossa idade. Até sempre.....
Manuel Paula

Manuel Paula disse...


Por lapso, este comentário, foi aqui colocado. Desde já, as minhas desculpas. Este cometário, como é percéptivel destinava-se a um antigo meu camarada militar: João Branco, que também nos conta a sua estória de vida.
Mais uma vez as minhas desculpas.
Manuel Paula

Com os meus melhores cumprimentos.
Manuel Paula