05/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (I)

Estávamos no dealbar do ano de 1947. Seguia o mês de Janeiro no seu 12º dia, e eis que na tarde desse dia, solarenga mas esfriada, nascia, na freguesia de Folhadela, concelho de Vila Real, o protagonista desta história que estas linhas pretendem revelar.
No seio de uma família humilde, iniciei então os primeiros passos. Mas, porque os tempos que corriam, e o local da minha origem não dava garantias de uma subsistência familiar mínima, os meus progenitores partiram à procura de garantias de uma vida melhor, deslocando-se para uma localidade próxima, para trabalharem (o meu pai como pedreiro, a minha mãe como doméstica) nas obras das minas de extracção de ferro, existentes na fralda norte da serra do Marão, mais concretamente na localidade de Vila Cova, freguesia da Campeã, também do concelho de Vila Real. Tudo isto aconteceu, já eu tinha a idade de cinco/seis anos.
No entanto, esta situação foi algo passageira, nem sequer durou 1 ano. Daqui, a família deslocou-se para a localidade de Stº António da Granja, no concelho de Penedono, para trabalharem também nas obras, mas desta feita, numas minas de extracção de ouro, que ali eram exploradas desde o início dos anos 40. Nesta localidade, iniciei a instrução primária até à 3ª classe, cujo exame conclui, no final do ano lectivo de l956/57. Lembro-me que naquela terra, fazia sempre muito calor na Primavera/Verão e muito frio no Outono/Inverno, verificando-se nevões tão fortes, que por vezes atingiam cerca de 1 metro de altura. Foi aqui que comecei por aprender as primeiras traquinices, tais como andar de burro, jogar ao “pateiro”, (uma espécie de “baseboll” dos pobres) apanhar bichos da seda, nadar no ribeiro, e no tempo próprio, trepar às cerejeiras, que ali eram abundantes, para comê-las. Lembro-me de uma altura em que as cerejas eram já escassas, e por isso mais apetecíveis, trepei de tal maneira para a ponta de um ramo, que este se partiu e eu vim parar ao chão. O meu pai quando chegou do trabalho e soube do sucedido, colocou uma vara junto à árvore, e concluiu que a queda foi de mais de 4 metros. Felizmente nada de grave me aconteceu, apenas um grande susto.
No tempo da neve, muito abundante entre os meses de Novembro a Fevereiro, também dedicava parte dos meus tempos livres a apanhar pardais nos rolheiros de palha onde estes afluíam em grandes bandos, à procura dos grãos de centeio e de trigo, que ficavam nas espigas. Na região, predominava sobretudo o cultivo de cereais, nomeadamente centeio e algum trigo, castanha, batatas e legumes, e a criação de inúmeros rebanhos de ovinos e caprinos, que para além da boa carne, forneciam o leite, indispensável para o fabrico do bem conhecido Queijo da Serra, obtido de forma artesanal, de óptima qualidade.
Porque nesta altura, teve início um período de alguma crise de trabalho, a família viu-se obrigada a regressar à terra natal e ali fui matriculado na Escola Primária de Folhadela, tendo no ano lectivo de 1957/58 concluído o exame da 4ª classe. Nesta data, o meu pai arranjou trabalho no Departamento de Obras dos Caminhos-de-ferro Portugueses, destacado para a Secção do Pocinho, na linha do Douro, onde se manteve até ao ano de 1967. A minha mãe, como habitualmente, manteve a responsabilidade das lides domésticas.
Pese embora ter revelado durante a instrução primária faculdades bastantes para prosseguir os estudos no ensino secundário, e disso os meus pais fizessem gosto, preferi ir aprender uma profissão, pois era grande a vontade de contribuir para o bem estar familiar, até porque entretanto, a família tinha aumentado.
O meu primeiro trabalho, com 12/13 anos, foi num estabelecimento de venda e consertos de relógios, que existia no Largo do Pelourinho, em Vila Real, mas que durou apenas uns escassos 6 meses. Abandonei, com alguma mágoa dos meus pais, porque senti, nessa altura, ser alvo de alguma exploração, uma vez que, para além de não ganhar qualquer salário, era “usado” quase exclusivamente como moço de recados, com manifesto prejuízo da aprendizagem prometida, facto que contrariava em muito os meus objectivos de poder no futuro poder ganhar algum dinheiro. Uma vez livre deste compromisso, e já com 14/15 anos, por influência do meu primo Fernando Baptista (que na altura muito considerava e ainda hoje considero como um irmão), fui admitido numa oficina de marcenaria e aí comecei a aprender a profissão, que interrompi, com a ida para o serviço militar obrigatório, em Outubro de 1968.
Entretanto, a par da opção de uma profissão, e porque em mim se instalou alguma frustração, por ver alguns dos meus amigos da primária a frequentar a Escola Industrial e Comercial e até o Liceu, consultei os meus pais, no sentido de me autorizarem a proceder à inscrição de matrícula na “escola da noite”, autorização que foi obviamente concedida. Matriculei-me então no 1º ano no Curso Complementar do Comércio, na Escola Industrial e Comercial de Vila Real.
Em Outubro de 1968, fui então incorporado no Exército para cumprimento do Serviço Militar, deixando por fazer algumas disciplinas, que foram mais tarde feitas, algumas ainda como militar, e outras já na situação de disponibilidade, que ocorreu em Outubro de 1971.
Entretanto, já na situação de “apurado” para o serviço militar, fui aliciado por alguns amigos, para fugirmos à tropa e ir clandestinamente para França, beneficiando eu da cumplicidade da minha mãe e do meu pai que nessa altura também era emigrante. Apesar de toda a preparação, a aventura não chegou a consumar-se. De facto, a esperança de poder voltar são e salvo da guerra para onde inevitavelmente iria ser atirado, levou-me a desistir dessa aventura, decisão da qual nunca me arrependi. Os amigos que levaram por diante essa aventura, felizmente foram bem sucedidos – livraram-se da guerra –, regressaram à terra natal logo após a revolução de Abril, todos muito bem de vida.
A minha incorporação aconteceu em 21 de Outubro de 1968. Depois da passagem por Quartéis como o Regimentos de Infantaria n.º 13, em Vila Real, de Artilharia Ligeira n.º 4, em Leiria, e Escola Prática de Serviço de Material, em Sacavém, fui mobilizado para servir em Moçambique no Batalhão de Caçadores n.º2 881, formado no Quartel de Caçadores n.º 10, em Chaves, com passagem também, antes do embarque, pelo Campo Militar de Santa Margarida.
Embarquei no navio, Niassa a 12 de Agosto de 1969, no Cais de Alcântara, em Lisboa, numa viagem de 30 dias, com passagem pelas cidades de Luanda, Lourenço Marques, Beira, Nacala e finalmente Porto Amélia, tendo daqui seguido em coluna motorizada até Macomia, em pleno coração de Cabo Delgado, local de aquartelamento da minha Companhia: CCS – Companhia de Comando e Serviços. As três Companhias operacionais, que compunham o Batalhão, foram sediadas nas localidades do Chai, Mataca e Serra do Mapé. Em Macomia, permaneci cerca de 15 meses, tendo os restantes 9 meses, sido passados na cidade de Nampula, no Comando de Sector.
Durante a minha estada, lembro apenas os bons momentos passados nos bailes do “marrebenta”, no Bairro da Metaculiua, conhecido pelo lugar de todas as culturas, dada a sua mestiçagem, onde até o próprio nome por vezes se esquecia, tal era a intensidade da música e dos bons sabores gastronómicos.
Foi desta cidade, que fiz a viajem de regresso, no mesmo navio Niassa, com chegada a Lisboa, em meados de Setembro de 1971,
No início do ano de 1972, com o Serviço Militar cumprido e com as habilitações conferidas pelo Diploma do Curso Geral do Comércio, que entretanto conclui, concorri para várias instituições, nomeadamente bancos e outras empresas, para além de diversos serviços do Estado. Dentre muitos dos pretendidos, fui chamado em Outubro de 1972, para frequentar o primeiro estágio de acesso à carreira de Inspecção, na então Inspecção-Geral das Actividades Económicas, (actual ASAE-Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica) departamento do Ministério da Economia.
Concluído o primeiro estágio em Maio de 1973, fui colocado na Delegação Distrital de Viana do Castelo, onde exerci funções até 31 de Julho de 2003, tendo nesta data, sido aposentado com a categoria de Inspector Técnico Principal. Tive durante a minha carreira várias oportunidades de transferência para meios mais desenvolvidos do que era Viana do Castelo, nomeadamente, Lisboa e Porto, mas nunca me deixei seduzir por eventuais melhorias, quase sempre muito pouco condizentes com o “stress”, provocado com vida nesses meios.
A adaptação à cidade foi bastante facilitada, por muitas e boas amizades que pude fazer logo nos primeiros tempos em que vivi hospedado ma Residencial Bela Terra, amizades que ainda hoje são bonitas realidades.
Entretanto, no final do ano de 1974, casei com uma Técnica de Laboratório, do Centro de Saúde de Viana do Castelo, que conheci no calor revolucionário do 25 de Abril. Do casamento nasceram duas raparigas, hoje com 31 e 29 anos, licenciadas em Contabilidade e Administração pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e em Engenharia Zootécnica pela Universidade de Évora.
Tendo muito pouco tempo livre, pelas funções que exercia na função inspectiva, não pude dedicar-me muito às questões de cidadania, que eu sempre considerei muito importantes na vida do cidadão. Todavia, porque a modalidade de hóquei e Patins, despertou sempre em mim alguma curiosidade, aceitei, em 1981, fazer parte da Direcção da Associação Juventude de Viana, à data a disputar o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Por lá andei até à época de 1986/87, tendo ocupado cargos como Secretário da Direcção e Vice-Presidente, para terminar como Seccionista responsável pelo escalão de Juniores, cuja equipa foi vice-campeão nacional em 1985/86 e finalista nos play-of no ano seguinte, com equipas como o Benfica, F.C.Porto, Sporting , entre outros. Foram por vezes dias de muitas angústias e tristezas, por manifesta falta de meios e recursos financeiros, mas também de muitas alegrias, e muita amizade de permeio. Não esquecer, que pela Juventude de Viana, passaram alguns dos melhores jogadores do mundo, que representaram grandes clubes não só nacionais como estrangeiros. Enfim, recordo aquele clube, como uma Escola de virtudes, que continua a dar grandes alegrias à sua massa associativa em particular, e às gentes de Viana em geral.
Ainda como membro da Direcção, chefiei a comitiva que acompanhou a equipa nas deslocações a Barcelona e Nantes, onde a Juventude disputou jogos da Taça Europeia – CERES. Actualmente, sou apenas um dos muitos associados, juntamente com a minha mulher e filhas, tendo, tanto eu como as minhas filhas, recebido já o Emblema dos 25 anos de Associados.
Até ao momento em que escrevo estas linhas, apesar de algumas vicissitudes próprias de uma vida já tão longa de quase 60 anos, sinto-me absolutamente feliz, não só pelo que de bom já me aconteceu, mas também por muitas coisas que ainda pretendo realizar, assim o corpo e o espírito me ajudem.
Contada de forma simples e desinibida, é esta “A história da minha vida”.
Octávio Pires

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