02/03/2007

UMA LONGA HISTORIA DE VIAGENS


O meu encontro com o mar começa na minha infância, no porto de pesca de Viana do Castelo. Via chegar os barcos da pesca e toda a agitação que envolvia o ambiente. Então, em mim, foi crescendo o sonho e a ambição de um dia também eu poder embarcar, navegar e descobrir tudo o que havia para além da barra do porto de mar.
Comecei por ser pescador, em 1974, ano em que se deu a revolução do 25 de Abril. Tinha eu 17 anos, recordo a inquietação das pessoas, de repente toda a gente se tornou um politico em potência, tal era o entusiasmo com que todos se queriam fazer ouvir e defender a sua causa politica. Durante muito tempo nos cafés, na rua, no trabalho, na escola, falou-se de politica, pintaram-se murais alusivos por tudo que era parede e fizeram-se manifestações por todo o Portugal. No 25 de Abril o povo saiu à rua em turbilhão e sem medo de dizer o que lhe ia na alma, depois de 48 anos de ditadura politica e censura a festa foi bonita e o cravo vermelho foi o símbolo que ficou a perpetuar a conquista da liberdade no tapa chamas das espingardas.
A vida de pescador prolongou-se até 1992 e foi em 1993, que com 35 anos de idade, comecei a minha grande aventura, que foi navegar por todos os oceanos e pisar terra de todos continente. A minha primeira viagem começou em Lisboa ao entrar pela primeira vez num avião com destino a Miami nos EUA. Tive saudades das ondas do mar de cada vez que o avião oscilava e dava a sensação de ir cair.
Cheguei ao navio pela manhã. Era enorme, com 270 metros de comprimento e 15 andares de altura, pintado de branco como a cal. Sem saber falar inglês, apresentei-me nas escadas de acesso ao navio, sendo necessária a intervenção de um português para me ajudar na recepção e introdução no ambiente de bordo. Não foi difícil adaptar-me à vida de bordo. A minha cabine era partilhada com outro tripulante, também ele português. Comecei por ser marinheiro e todos os dias me levantava as 5 horas da manhã para fazer a baldeação ao navio até às 7.30h. Depois do pequeno-almoço, reuníamo-nos todos os marinheiros no paiol da proa, onde o contra-mestre distribuía o trabalho a fazer naquele dia. Uns iam raspar e pintar, outros dar manutenção aos cabos de arame dos guinchos, outros lavavam vidros e paredes ou as piscinas. Havia sempre trabalho a fazer. Na messe, ao almoço, era audível o som de várias línguas diferentes, pois a bordo haviam tripulantes de mais de trinta nacionalidades: portugueses, italianos, ingleses, filipinos, indonésios, canadianos, franceses, mexicanos, americanos, romenos, polacos, jamaicanos, irlandeses, alemães, indianos, brasileiros, húngaros, croatas e muitos mais. Findo o dia de trabalho normal dos marinheiros reuníamo-nos no bar para dois dedos de conversa, jogar uma cartada, jogar pingue-pongue ou outros jogos. Muitas vezes ia ao “promenade-deck”, deitava-me numa cadeira e adormecia a ver o por do sol das Caraíbas, com o horizonte sempre presente ou a silhueta das ilhas ao largo.
Chegávamos aos portos que visitávamos sempre pela manha e todos tínhamos a oportunidade de ir a terra, o que ajudava a quebrar a rotina diária a bordo. Na memória ficou-me Vancouver, Victoria, Juneau, Ketchikan, Seward, Portland, Seattle, S. Francisco, Los Angeles, Miami, Nassau, Cabo S. Lucas, Mazatlan, Puerto Vallarta, Acapulco, Cozumel, S. Jose de Costa Rica, Cristobal, no Panamá, Cartagena, La Guaira, Montego Bay, Curacao, Aruba, Martinique, Rio de Janeiro, Recife, Salvador da Baía, Buenos Aires, Puerto Rico, Honolulu, Hong-Kong, Singapura, Xangai, Hirochima, Nagasaki, Vladivostok, Sydney, Melbourne, Brisbane, Jakarta, Sumarang, Bali, Port-Moresby, Papete, Bora-Bora, Muroroa, Auckland, Tasmânia e muito mais havia para juntar a este rol de nomes, entre ilhas, países e cidades que visitei durante centenas de cruzeiros que tive o privilégio de fazer. Jamais esquecerei os glaciares do Alasca e toda a sua beleza natural. As Caraíbas, a Indochina, o México, o Havai, o Tahiti, o Brasil, a Rússia, a China, a Coreia do Sul, o Japão, o Árctico, o Antárctico, a aurora boreal, as montanhas, os vulcões, a hora de ponta numa avenida chinesa com milhares de bicicletas a circular, os Índios do Panamá e tanta coisa que o meu baú de memórias guarda lá no fundo. Foi uma longa viagem que me levou a todos os cantos do Mundo, o mar foi a estrada e a estrela Polar testemunha sempre presente, nunca me canso de olhar o mar e o horizonte.
Manuel Lomba

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