04/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (V)

Nasci em 12 de Junho de 1946 na vizinha freguesia de Nogueira e a partir dos meus 19 anos passei a residir nesta linda terra da qual eu gosto: S.ta MARTA de PORTUZÊLO.
Nos anos quarenta as dificuldades eram enormes comparadas aos dias de hoje, até para nascer se improvisava a maternidade junto a lareira da casa.
A partir do meu nascimento sei, pelos meus pais que graças a Deus ainda estão aqui perto de mim para contar todas estas fases da própria vida que tudo foi sempre muito difícil, quer para nos alimentar, quer para os bens mínimos essenciais.
Chegaram os sete anos e o momento tão esperado por mim de ir para a escola, claro que fiquei sempre com uma vaga recordação desse momento, a saca de ganga a tiracolo com aquele livro cheio de cor, a lousa e a pena.
Recordo-me ainda que queria aprender outras coisas mais interessantes, pois, até aí era carregar água para casa, pastar as vacas e nos tempos livres tinha ainda que olhar pelos meus irmãos mais novos que todos os dois anos em média cá chegavam. Nos anos cinquenta não existia problema com o trabalho infantil.
Voltemos à escola. Posso afirmar hoje que foi das coisas que mais me interessou nessa idade pois como sabem nessa época não valia a pena contar com jornais, rádio ou televisão, pois, eram coisas raras e bastante inacessíveis até porque na minha freguesia quando chegou a electricidade já eu tinha os meus nove anos, isto dá para ver ainda qual o tipo de vida que as pessoas tinham pela frente.
Apesar de a minha família ser das mais modestas desta freguesia, eu senti que a sorte ainda estava comigo pois sempre estive nos melhores da classe, mesmo assim era marginalizado por grande parte da classe, pois como disse atrás, os meus pais eram muito pobres e tinham muitos filhos. Foi difícil para mim viver essa fase da vida, a partir daí instalou-se em mim a vontade de sair desse fosso com que a vida me tinha brindado; pensei que a melhor solução para o meu problema seria ser Padre. Naquela época o Padre era um senhor com autoridade na terra e com boas possibilidades económicas. Imaginava-me um pequeno padreco daqueles que eu via passar na minha casa todos os dias com o tal missal debaixo do braço que tanto as pessoas elogiavam. No entanto pouca sorte para aquela criança de apenas 11anos, com o pequeno cérebro cheio de sonhos, pois, uma vez pedidas as matrículas ao seminário de Braga, chegou desde logo a desilusão, a soma mensal que era pedida aos meus pais era completamente impossível para eles (1.200 escudos). O meu pai no melhor poderia economizar 400 escudos, que eram para toda a família. Chorei, mas pensei convencer o meu pai a levar- me com ele para trabalhar. O meu pai não contestou, pelo contrario disse que seria muito melhor começar já a trabalhar e que estudar era para os ricos.
No dia marcado lá estava eu pronto a conhecer outras terras, outras pessoas e que alegria eu sentia viajar de comboio e de autocarro um dia inteirinho - que bom!
Chegados ao fim da viagem em transporte, ainda tinha-mos mais duas horas e meia a pé e as malas em cima de um burro, nesse fim de mundo para onde me levavam ainda não havia estrada, essa éramos nós que iríamos construi-la. Nesse dia como chegámos já era noite e não era aconselhável fazer essas tais duas horas e tal de noite, foi então necessário encontrar um local para dormir, coisa difícil nesse lugar. Fomos então aconselhados a passar a noite encostados a um palheiro, coisa que o meu pai aceitou, pois não tinha alternativa nem dinheiro. Nunca mais vou esquecer a minha primeira grande viagem, devo dizer que isto se passou lá para os lados de Bragança e estávamos no mês de Julho de 1957.
Depois a minha vida começou a desenrolar-se de forma normal para aquela época. Porém, não me esquecerei nunca mais do vazio que sentia com a falta da minha Mãe. Lembro-me e ainda sinto um aperto no coração que só eu posso sentir; chorei muito sozinho, sem nunca me queixar ao meu pai, apesar dos meus 11 anitos.
Não é minha intenção tornar esta história muito longa, mas afinal esta é a história da minha vida, não consigo deixar para trás momentos que me marcaram para sempre. Com 12 anos trabalhava num troço da estrada 202. Aqui bem perto de nós construía-se também uma ponte e aí trabalhava com o meu pai e outros trabalhadores.
Recordo-me de uma vez em que durante a realização de uma tarefa fui maltratado pelo encarregado que diante dos olhos do meu pai me chamou os piores palavrões e ao mesmo tempo lançou-me uma pedra que me atingiu na perna esquerda, provocando um grande ferimento. Chorei, pois achei não merecer tal humilhação e ainda mais porque o meu pai nem sequer conseguia defender-me, pois se o fizesse corria o risco de ficar sem emprego. Senti-me nesse momento como um qualquer animal vadio e sem dono. Ano e meio mais tarde já trabalhava na cidade do Porto e estávamos em pleno inverno, o patrão tinha-me avisado que o trabalho era pouco e como eu era dos mais novos seria bom que eu pensasse em ir embora. Eu não podia vir para casa dos meus pais se eles já não conseguiam alimentar os meus outros irmãos mais novos como seria com mais uma pessoa à mesa, sem as minhas economias que eles tanto necessitavam. Assim ganhei coragem e pedi ao patrão que me deixasse estar ao menos até ao Natal. Disse-me que faria os possíveis para isso e então deu-me como trabalho lavar telha usada com soda caustica. Não conhecia tal produto, comecei o meu trabalho, luvas era coisa desconhecida para mim, se calhar não para o patrão! Passada uma semana tinha as minhas mãos cheias de feridas, inchadas sem a menor hipótese de fazer nada; aí o meu patrão veio ter comigo e disse-me: - estás a ver agora vais ter mesmo que ires embora, para tratares dessas mãos, pois, tão cedo não conseguirás fazer mais nada. - Com uma tristeza enorme fiz a minha mala e lá fui eu para casa dos meus pais, coisa que eu não queria que acontecesse. Claro que a minha Mãe ao ver-me assim ficou triste e até chorou, eu tinha apenas 13 anos.
Na continuidade da vida tentei sempre lutar para conseguir minimamente aquilo que com tanta facilidade me era negado. Com a minha tenra idade e naquele tipo de tarefas em que eu tinha bons conhecimentos, esforçava-me ao máximo para fazer o melhor, conseguindo acompanhar os melhores. Sempre que alcançava esse objectivo esperava pelo patrão para lhe fazer compreender que uma vez que o meu rendimento era igual, ou até por vezes superior aos dos mais velhos, queria que o meu salário fosse pelo menos igual ao deles, dado que aquilo que me pagavam era quase sempre inferior a metade do salário deles. Devo dizer que desse lado as coisas me corriam também muito mal, pois quase sempre o aumento não ia além dum miserável escudo.
Procurava sempre encontrar explicação para tal atitude e infelizmente para mim a resposta era sempre a mesma: - és muito novo meu rapaz, não posso dar-te o mesmo salário dos grandes. - É claro que com este tipo de respostas, lá ia eu emigrando por este país, sempre sem eira nem beira.
Um dia encontro alguém que mal conhecia e que me lança uma proposta, perguntando-me qual era a minha profissão. Disse-me então se queria trabalhar para ele em Lisboa, com alojamento: - para iniciar proponho um salário de 70$00 em 8 horas de trabalho. - Não parei para pensar, Lisboa era coisa nova para mim e depois era o dobro do salário que tinha no momento.
No dia seguinte lá fui eu de mala feita para a capital; que belo apartamento, que linda casa de banho, eu que apenas ouvia falar nos luxos dos hotéis, já tinha o meu próprio hotel. Era a primeira vez na minha vida que me sentia um pouquinho feliz com a vida que me esperava e não tinha sido enganado. Pelo contrário, o salário prometido foi bem superior, o trabalho, esse era um prazer, parecia que vida começava, enfim, a sorrir, não estava enganado. Andava de tal forma feliz que me esquecia que o serviço militar estava à minha espera, já ali ao virar da esquina.
Já me esquecia que antes do episódio de Lisboa aconteceram outras aventuras comuns na época, eram as tentativas, para mim sempre frustradas, da emigração clandestina para França. Não fui feliz nessas aventuras porque sei que eram perfeitas aventuras. Tentei uma vez por terra, abortada; outra vez por mar, aqui em CASTELO DE NEIVA, às cinco da manhã apareceu alguém dizendo: - para casa, rápido, a polícia marítima já apreendeu o barco e agora procuram-vos; - e lá fui eu para casa mais uma vez com o sonho francês na cabeça.
Pouco tempo depois, nova tentativa. Esta seria segundo os organizadores certa, não era e não foi verdade. Uma vez passada a fronteira de VILAR FORMOSO, qual o nosso espanto quando, no local combinado esperávamos o nosso transporte, nos apercebemos que o mesmo passou por nós fazendo-nos apenas um sinal que não compreendemos. O que vimos foi que atrás desse senhor seguiam mais dois carros a toda a velocidade. Por isso, voltamos para o interior pois não podíamos estar ali ao lado da estrada; isto aconteceu seriam quatro horas da tarde. Ficámos ali abandonados à nossa sorte sem podermos saber o que estava a acontecer, até que às oito horas da tarde, lá apareceu a tal pessoa que sem grandes explicações no momento, metendo-nos dentro do carro, e lá continuamos viagem a toda a velocidade. Estávamos cansados devido às fugas feitas durante aquela tarde e adormecemos quando tínhamos percorrido uns 300 km. O condutor adormeceu também e o nosso carro ficou encastrado de frente numa árvore. Pouco ou nada me lembro desse acidente, apenas tenho comigo uma ou duas visões vagas. Entrei em coma e permaneci assim durante quatro dias. Não sei se podem imaginar a minha surpresa, eu que apenas me lembrava de adormecer dentro do carro, acordar naquele hospital em Espanha rodeado pelos colegas que me acompanhavam, todos eles com ferimentos, todos tinham uma perna ou braço partido. Eu tinha os dentes frontais bem abalados e pouco mais, mas, afinal, a nossa história estava apenas no início, pois, a polícia apenas esperava que acordássemos, para nos meter na prisão, o que aconteceu logo naquela tarde.
A partir daí aconteceram-me vários episódios; fomos transferidos de prisão, em média todas semanas, até chegarmos ao posto da PIDE em Vilar Formoso. Aí já éramos uns 65 homens, todos nós emigrantes ilegais, e cada vez que havia transferência o grupo aumentava. Fomos alojados os 65 num quarto que teria no máximo 12 m2. Se durante o dia era difícil, pois não era fácil qualquer movimento, o pior era a noite. De facto conseguirmos arranjar um espaço por ordem de idades, onde se deitariam quatro de cada vez. Passámos uma noite assim. Na tarde seguinte, transferiram-nos para a prisão de Almeida, uma vila que fica ao lado de Vilar Formoso. A seguir, foi preciso arranjar fiança para sair da prisão, sendo depois necessário responder a um processo na cidade da Guarda, uns dois meses depois. Tanto eu como os meus colegas respondemos em tribunal e nessa mesma tarde já estávamos do outro lado da fronteira, pois havia já alguém para nos levar outra vez. No entanto, quando Deus não quer, os Santos não conseguem fazer nada. A pessoa que nos levaria, dado que o carro se tinha avariado, disse-nos para esperar até que o fosse reparado, e o melhor esconderijo que nos arranjou foi um aqueduto duma estrada principal. Estávamos no mês de Fevereiro, esta estadia durou três dias, três dias de fome e frio que pensei que já não conseguira sair dali vivo, tendo emagrecido 4 quilos. Não nos era possível sair dali, pois a polícia espanhola passava constantemente naquela estrada e nós acabávamos de sair dum processo pelo mesmo delito, com dois anos de pena suspensa. Foi então que a pessoa que nos devia levar para França, à noite, nos arranjou um táxi para nos transportar para Portugal. Abrimos as portas do carro para entrar e aí o condutor disse-nos que só nos podia levar na mala. E foi na mala que nos trouxeram para o lado de cá. Recordo-me que depois de sair da mala demorou algum tempo até perceber onde estava.
Nunca mais quis pensar em França e foi aí que imigrei para Lisboa.
Logo a seguir, chegou o serviço militar, Abril de 67, era um futuro difícil de prever, o mais certo seria ser enviado para a guerra e aí as possibilidades eram não voltar à nossa terra. Com esta ideia fixa resolvi deixar uma pequena lembrança àqueles de quem eu gostava. Mandei fazer algumas fotografias e na véspera da minha incorporação lá passei pelas casas dessas pessoas deixando aquilo que poderia vir a ser uma recordação. No dia 17 de Abril de 1967 vesti pela primeira vez uma farda e como milhares doutros jovens não tinha-mos o direito de pensar no futuro, pelo menos nos próximos três ou quatro anos.
O tempo foi passando, ao fim de seis meses estava na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, e que alegria eu senti quando já no quartel alguém me disse que com essa especialidade não iria para o ultramar. Procurei ter uma informação mais oficial. Era verdade, a não ser que surgisse no futuro um castigo pesado. Finalmente, no dia 17 de Abril de 1970, mandaram-me para casa ainda com um mês de licença e depois fiquei livre. Foram 36 meses de tempo perdido. Felizmente tive muita sorte. Apesar de nunca ter passado do posto de soldado, fui um senhor, como se dizia em linguagem militar.
Não fazia parte do meu futuro fazer nova tentativa para a França apesar de nesse ano e já com Marcelo Caetano como Primeiro Ministro, as coisas já não eram severas, o que eu não sabia é que no mesmo dia que cheguei da tropa, nessa mesma tarde, tinha um dos meus tios pronto a levar-me com ele no dia seguinte. Disse que não queria, pois o meu futuro, de acordo com a minha vontade, era voltar para Lisboa e continuar por lá. Mas de pouco valeu a minha recusa. O meu tio reparou que não me convencia e foi junto de outro meu tio, que eu admirava muito, e ao qual eu não poderia recusar nada. Assim, no outro dia, bem cedo e ainda com licença registada fui até terras francesas. Não foi difícil, tive que atravessar o rio Minho ali para os lados de Monção e a seguir foi como se estivesse documentado. Cheguei a Paris, ou melhor aos arredores.
Fiquei chocado com o sistema de vida do meu pai e irmãos, afinal era aquilo a França? Quis convencer o meu pai que não queria aquela vida para mim pois em Lisboa era bem melhor. De facto a vida em França era mesmo difícil, os trajectos para o trabalho eram feitos numa bicicleta velha e em pleno mês de Agosto já fazia frio, havia geada branca. Estas condições tornaram a minha reacção ainda mais dura. Conversei com o meu pai, mas ele pediu-me para ficar, seria uma vergonha para ele se eu me fosse embora e ficou combinado que a continuar assim no próximo Natal já não voltaria.
Convenci-me que tinha que vencer, comecei por trabalhar aos sábados e domingos e os francos começaram a chegar com calma, mas os problemas ainda não tinham acabado, a língua era o maior obstáculo, às vezes até me tornava chato para os que sabiam alguma coisa. Ao fim de um mês as coisas já estavam bem melhores para mim, já conseguia entender o que me diziam e não precisava de dizer sempre “oui”.
Uma vez vencida a batalha inicial, a minha vida entrou numa rotina igual à de muita gente, embora sempre com o objectivo de voltar o mais depressa possível. Entretanto, casei-me e então a prioridade já não era voltar assim tão rapidamente. Agora pensava comprar uma casa, de forma a ter mais liberdade e viver com mais conforto. E assim o sonho se concretizava, foi difícil, além de todo o trabalho que já fazia ainda tinha que reconstruir a minha casa, muitas vezes deitava-me à 1 hora da manhã e levantava-me às 4 horas da manhã, quando saía para trabalhar já deixava duas horas de trabalho feito em casa. Com todo este esforço, ao fim de um ano tinha a minha casa completa. Tinha que estar pronta para receber a minha filhota Elizabete, que nasceu no final de Maio de 1976. Eu não queria que a minha princesinha fosse mal recebida já que o Jorge, o filho mais velho, não teve as mesma sorte no que diz respeito ao conforto.
Na altura que comprei a casa fui envolvido num aparatoso acidente na estrada, um morto e um ferido grave. Segundo as informações da polícia não tinha que me preocupar; nada tinha a ver com o mesmo. Fui chamado a tribunal e qual não foi o meu espanto, em vez de testemunha como pensava, já era réu. Encontrei-me a responder a um juiz sem sequer ter um advogado. Procurei argumentar que nada tinha a ver, pois o queixoso era eu, nada feito. O melhor era arranjar um advogado, pois, o processo já estava todo contra mim. Explico tal situação ao seguro dizendo-lhes que tinham que ter defensor à disposição ou então eu não comparecia ao próximo julgamento. Com bastante dificuldade acederam à minha exigência.
Chegado o dia do julgamento, estava cheio medo, pois sentia-me sozinho e qual o meu espanto quando assisto ao meu advogado a fazer o jogo da outra parte. Procurei defender-me, não me deixavam falar, estava ali a ouvir invenções, todas bem orquestradas para me afundar. Eu não tinha nome, apenas era identificado como um português. Senti-me pequenino naquele mundo deles onde eu não era nada. Foi uma humilhação muito grande. Fui condenado, eu que nada tinha a ver com este acidente; saí triste e humilhado. Mais tarde o seguro recorreu, mas foi preciso esperar mais três anos.
Pedi ao seguro um novo advogado, uma vez que outro jogava do lado contrário e aí sim tinha agora um defensor que me agradava. Logo na primeira entrevista, depois de consultar todo o processo, disse-me que já era tarde demais, não havia forma de dar a volta ao processo, pois todo ele era uma acusação contra mim, mas que iria trabalhar no mínimo para não me agravarem a pena.
Mais uma vez voltei a sentar-me no banco como réu e já em recurso recomeçou a acusação. Como já estava habituado a ouvir, continuava sem nome próprio, era apenas um português, como eles diziam. Foi aí que o novo advogado chamou imediatamente a atenção do juiz, dizendo que o seu cliente tinha um nome como qualquer pessoa e que se o colega insistisse nessa humilhação, que segundo ele devia ser essa a intenção, ele abandonaria a sala. Claro que o juiz deu-lhe razão e chamou a atenção do advogado da outra parte. Finalmente já me senti melhor, no fim acabei por ficar com a pena anterior e sem poder conduzir durante 8 meses, mais outras coisas que ficaram em suspenso por mais dois anos.
Não escreveria este episódio se não fosse ele que revirou a minha vida. Foi a partir de todas essas humilhações pelas quais me fizeram passar e pelas quais nem sequer me deixavam defender, que disse para mim mesmo que teria de partir logo que possível. Apesar da minha boa integração eu não queria ficar a conviver com um povo que para além das aparências se achava superior, mas apesar da minha necessidade em voltar, não o podia fazer a qualquer preço, ou arriscava-me a que as coisas não corressem bem e tal como me conheço, não aceitaria tal coisa.
Em Agosto de 1985 voltei com a família, eram férias e nenhum problema à vista. Acabadas as férias e com os meus colegas emigrantes de volta era necessário pensar na forma de reconstruir nova vida. Recomeçava novo problema. Se em França, iniciar foi difícil, agora tinha a língua a meu favor, tudo o resto foi preciso reaprender. Quem nunca saiu do seu país por muito tempo não conhece esse problema. Se não fosse a minha vontade firme de não voltar a França decerto teria feito o que fizeram tantos dos nossos emigrantes e que ainda hoje esperam para voltar à terra que os viu nascer.
Passado o primeiro ano as coisas foram-se encaminhando. Recomecei a minha vida profissional naquilo que eu sei fazer melhor e que gosto. Não posso esquecer que quando voltei ao meu país tinha 38 anos, há já 22 anos, parece que foi ontem!
Que dizer, hoje sou uma pessoa que realizou em grande parte os seus sonhos, sinto-me bem na vida, quero apenas dizer uma coisa: apesar destas histórias que narro, vindo eu de onde vim, se fosse necessário refazer o mesmo caminho para chegar aqui não importaria nada de o fazer, tenho a certeza que o sacrifício valeu a pena.
Com toda a tranquilidade que é possível vivo a vida na companhia da minha esposa, já com a companhia de dois netinhos que são uns amores não esquecendo os meus dois filhos, Jorge e Elizabete, já ambos casados. Esperamos com ansiedade o primeiro netinho da Elizabete.
Assim dou por terminada a minha história. Deixei aqui apenas aqueles episódios que mais marcaram a minha existência, que de alguma forma traçaram a minha vida e forma de viver. Esta é apenas uma parte da minha existência, decerto que teria muito mais para contar já que a minha vida é toda ela cheia de boas e menos boas histórias, mas que hoje é bom recordar!


Sta MARTA de PORTUZELO, 7 de Dezembro 2006.
José Domingos Parente Gonçalves

1 comentário:

Anónimo disse...

Óh! amigo depois de tudo que passas-tes, ainda estas vivo.Tu és um Héroi.
Parabéns pela tua luta.E felicidades para o foturo. Bem haja por tanta luta.Um abraço.



Zéza