05/03/2007

HISTÓRIA DA MINHA VIDA (IV)

Chamo-me Manuel Gomes Soares, tenho 59 anos sou reformado e vou contar a história da minha vida. Conclui o ensino primário aos 11 anos de idade por sinal com bastante aproveitamento pois fui considerado com outro colega os melhores alunos da escola, como tal foi-nos atribuído um prémio em dinheiro de cento e quarenta escudos, fiquei radiante de alegria. Naquela altura, no ano de 1958, esse prémio em dinheiro representava um valor muito importante, era uma época que se vivia com muita dificuldade, corri desesperadamente para casa dos meus pais para lhes dar a noticia e da felicidade que eu sentia, eles ficaram muito satisfeitos e alegres pelo acontecido, claro que também foi uma ajuda para eles.
Gostaria de ter continuado os estudos, era bom aluno, e claro que futuramente poderia ter uma vida melhor, só que os meus pais eram muito pobres e não tinham possibilidades de darem continuidade aos meus estudos. Tive que ir trabalhar para os ajudar.
Assim com 11 anos de idade, logo após a saída da escola, arranjaram-me um emprego numa camisaria. O trabalho que eu foi desempenhar não era de grande responsabilidade nem podia ser porque eu nada sabia fazer, o meu papel era entregar as camisas aos clientes e fazer os recados necessários, o meu patrão pagava-me um ordenado de vinte e cinco tostões por dia, não era muito, mas sempre era uma ajuda para os meus pais. Hoje em dia é completamente diferente, os filhos quando trabalham ganham para eles, não dão dinheiro nenhum aos pais, por um lado ainda bem que assim é, mas por outro também não será tão bom assim porque os filhos com dinheiro nos bolsos por vezes metem-se em coisas que não devem!
Continuei trabalhando até atingir os 14 anos de idade, a partir daí começou uma nova fase da minha vida, nessa altura já podia trabalhar legalmente, pois era a idade permitida por lei. Como o meu irmão mais velho já se encontrava empregado na melhor empresa do conselho de Viana do Castelo, que era os estaleiros navais de Viana, fez um pedido ao chefe de serviço de pessoal para me arranjar trabalho na empresa. E assim fui integrado na empresa.
Comecei uma nova carreira na minha vida, no início, fruto da minha inexperiência, tive algumas dificuldades em me adaptar ao novo trabalho.
Foi no dia 4 de Abril de 1961 então que eu entrei para os estaleiros navais de Viana, fui para a escola de soldadura aí comecei a dar os primeiros pingos, andei um mês a aprender, durante esse tempo como ainda não tinha salário a empresa na hora da refeição fornecia-me um pão e um prato de sopa no refeitório e não pagava, No fim desse mês eram escolhidos os melhores e os restantes iam para casa, fui seleccionado e passei a integrar os quadros da secção de soldadura. Comecei como aprendiz ganhando um salário de nove escudos e vinte centavos por dia, ainda me lembro de minha pobre mãe, hoje falecida, ia todos os dias levar-me o almoço, se é que se podia chamar almoço, para que não tivesse de pagar na empresa a refeição. Tanto sacrifício para nada, mas a vida nessa altura era muito difícil para quem não tinha nada. Comecei a minha carreira subindo degrau a degrau de aprendiz a praticante. Aos 18 anos já era oficial de 3º de soldador foi nessa altura que aconteceu o melhor da minha vida até à data.
Naquela época existia a Mocidade Portuguesa organização que fazia os concursos nacionais e internacionais de trabalho, os Estaleiros navais forneciam os operários de várias profissões mais competentes para participar em representação da empresa, a escola comercial e industrial hoje escola Secundária de Monserrate fornecia os alunos mais aplicados de várias áreas. Não é que foi eu o escolhido para ir representar a empresa na área de soldadura?! Fiquei tão contente que nem sei explicar a enorme alegria que na altura senti, a partir daí passei um período de preparação na empresa para que quando chegasse o dia de prestar provas estar preparado o melhor possível para não deixar ficar mal a empresa. Tenho a agradecer ao meu mestre de secção pelo empenhamento que teve em me ensinar todas as técnicas de soldadura, era um grande profissional com conhecimento profundo da profissão hoje em dia há poucas pessoas com tanto conhecimento.
Chegou o dia de ir prestar provas a Lisboa eu e os meus colegas da empresa assim como também os colegas da escola, acompanhados por um professor da escola comercial e industrial, embarcamos na estação de Viana em direcção a Lisboa. Ficamos instalados na INATEL, na costa da Caparica, lá estivemos durante uma semana, foi o tempo que durou o concurso, correu tudo muito bem para mim, tanto que consegui ficar em primeiro lugar no meio de tantos concorrentes, foi muito bom!
Na consequência desta vitória ficou logo seleccionado para representar Portugal e a empresa na Escócia, estava eufórico, foi uma experiência que jamais esquecerei e que me marcou profundamente.
Os tempos nessa altura eram de muita dificuldade, mas eu estava a viver momentos inesquecíveis pois saber que ia representar o meu país no estrangeiro era um sonho que jamais o conseguiria de outra forma. Juntamente com um aluno da escola comercial e industrial seríamos os dois de Viana que iríamos representar o país nessa especialidade. A partir daqui a empresa, através do meu mestre de secção, colocou-me num lugar para que eu fizesse uma preparação mais completa, tive que aprender desenho e fazer uma reciclagem em soldadura estas duas coisas eram muito importantes pois eu não só ia soldar como também fazer a montagem das peças, portanto saber estas duas coisas eram na realidade fundamentais para assim ter uma boa prestação na participação das prova.
Chegou o dia de partir para Escócia mas antes a Mocidade portuguesa deu-nos um fato a mim e ao meu colega da escola, todos tínhamos que ir vestidos da mesma forma, na empresa fizeram-me uma mala muito bonita envernizada com o nome da empresa escrito onde ia levar a ferramenta. Não há dúvida, eu sentia-me todo vaidoso, era um momento marcante na minha vida. Lá embarcamos para Lisboa, onde nos íamos juntar aos restantes concorrentes, fomos para o aeroporto da Portela, aí embarcamos num avião enorme, para mim era um deslumbramento, pois nunca tinha visto um avião nem tão pouco viajado. Lá fomos para a Escócia, tivemos uma paragem em Londres de umas horas, depois seguimos até ao nosso destino. O primeiro dia foi para nos instalarmos no hotel e conhecer o local onde iríamos prestar provas. No dia seguinte iniciaram-se as provas, tínhamos um intérprete Espanhol, comecei por montar uma peça mas aí tive azar pois comecei por montá-la ao contrário, falta de atenção. O intérprete veio o à minha beira e disse-me que a peça estava a ser mal montada. Tive de desfazer tudo e voltar a montar de novo, perdi bastante tempo e atrasei-me um pouco em relação aos outros concorrentes, mas não estava tudo perdido, voltei a ter ânimo e ainda consegui acabar a peça primeiro do que outros concorrentes. Apesar disso, o engano prejudicou-me um pouco no resultado final, mesmo assim ainda consegui ficar em terceiro lugar. Penso que não foi mal de todo, pois era uma prova de nível internacional, tive direito a uma medalha de bronze.
Tudo foi muito bom para mim mas no meio de tudo isto há uma peripécia que eu quero contar, como é natural, depois das provas isto é, durante uma semana eu andava quase sempre com o colega de Viana. Depois de jantar normalmente íamos quase sempre dar uma volta pela cidade, acontece que um belo dia à noite, lá fomos nós dar uma volta, e quando nos preparávamos para regressar ao hotel chegamos a determinada rua onde existia um cruzamento e ficámos na dúvida, e então eu dizia que a rua que nos levaria ao hotel era pela direita, o meu colega dizia que era pela esquerda, conclusão cada um de nós quis manter a sua posição e então foi cada um para seu lado. Quem tinha razão era o meu colega, eu andei durante umas horas perdido, não sabia como chegar ao hotel. O que me valeu foi um mapa da cidade que me tinham dado, onde estava assinalado o meu hotel, mas havia ainda a barreira linguística, eu não sabia falar inglês. Resolvi falar com um guarda nocturno que ali ia a passar, peguei no mapa e com gestos disse para onde queria ir, ele também da mesma forma, disse-me para esperar até passar um táxi e assim dali a pouco mandou parar um táxi falou com o taxista que me levou ao hotel. Quando lá cheguei o meu colega já se encontrava na cama, acordou e disse-me, afinal quem tinha razão era eu, concordei, quem tinha razão era ele, pedi-lhe desculpa pela minha atitude. A verdade é que houve ali uma certa teimosia da minha parte e ninguém quis dar o braço a torcer, são coisas que acontecem. Não foi uma experiência muito agradável, senti algum receio, estava numa terra desconhecida!
Chegou o dia de voltarmos a Portugal, o sonho tinha chegado ao fim, lá embarcamos no avião e regressamos, voltei à empresa para continuar a minha carreira, fui chamado ao chefe de serviço de pessoal, que me comunicou que tendo em conta os bons serviços que eu tinha prestado e o bom nome que tinha dado à empresa, quer a nível nacional quer internacional, iria ter um aumento e uma subida de categoria de oficial de terceira para oficial de segunda. Até à data tinha sido o maior aumento que jamais me tinham dado, ganhava nessa altura vinte e cinco escudos por dia passei a ganhar trinta e seis escudos, sem dúvida que a empresa reconheceu o meu empenho naquilo em que tinha participado, e passei a ser uma pessoa considerara por todos. Com os passar dos anos, com mudanças de chefias, tudo isso foi esquecido, contudo nunca deixei de ser aquilo que era, continuei sempre a dar o meu melhor em prol da empresa, nunca me negando a tudo aquilo que me pediam.
Outro episódio importante na minha vida foi o tempo passado na tropa. Entrei no ano de 1968, em Braga, no regimento de infantaria nº 8, ia começar uma nova etapa na minha vida, quando cheguei ao quartel a primeira coisa que me mandaram fazer foi ir levantar o fardamento militar e cortar o cabelo muito curto como se costuma dizer uma carecada. Comecei a fazer a recruta e a cumprir tudo que me mandavam fazer, eram muito exigentes havia uma disciplina tremenda tudo era para cumprir, caso contrário seríamos castigados, até para receber o pré tínhamos que ir todos aprumados, cabelo cortado, botas engraxadas, farda bem limpa e passada. Continuei a tropa até ao momento em fui chamado para ir para a Guiné. Embarquei no navio Niassa, foi uma tristeza, a despedida dos familiares, havia choros, beijos, abraços, gritos, era de facto uma mágoa muito grande, nunca tinha visto uma coisa assim. As pessoas sabiam que íamos para a guerra e que podíamos ir e não mais voltar.
Íamos no navio como a sardinha na canastra, eram milhares de militares espalhados em camaratas, nos porões, íamos muito mal instalados, mas era carne para canhão que ia para a guerra e não se podia reclamar.
Hoje em dia estamos em liberdade pode-se reclamar tudo, mas naquela altura estávamos em regime de ditadura era proibido reivindicarmos fosse o que fosse. Lá chegamos ao nosso destino. Logo que desembarcamos, fomos distribuídos em grupos para várias localidades inclusive para o mato, eu e os meus colegas rádio telegrafistas fomos para o quartel general de Bissau, ali ficamos por uns dias, depois fomos mandados integrar uma coluna militar e daí fomos para várias localidades no meu caso foi para Bissorá, devo confessar que ia cheio de medo na coluna militar por onde íamos passar, eram zonas que os terroristas atacavam muito, mas com alguma sorte lá chegamos a Bissorá onde fui colocado no posto de rádio e comecei a fazer serviço de dia e de noite em turnos.
Tenho que dizer o seguinte, toda a gente sabia que a Guiné era uma colónia das mais perigosas, havia ataques constantemente, mas a sorte esteve do meu lado pelo facto de ser radiotelegrafista do STM não saíamos do aquartelamento, estávamos fixados no posto, mesmo assim vou contar um incidente. Uma bela noite, estava a fazer o turno da noite e pelas três horas da manhã comecei a ouvir tiros por todo o lado, fiquei com um medo tremendo, imediatamente fugi para o abrigo e ali fiquei até que tudo estivesse terminado. Era uma das vantagens que tinha em ser telegrafista nem sequer arma tinha distribuída, felizmente nas vezes em que o aquartelamento foi atacado nunca aconteceu nada de grave, mas não deixava de ser um grande susto.
Reconheço que enquanto estive na Guiné tive muita sorte em não me ter acontecido nada, de resto tudo não deixava de ser uma rotina diária.
Havia, ainda, um outro aspecto muito desagradável, o calor era muito, havia muitos mosquitos o que obrigava a termos na cama um mosqueteiro para protecção, muitas vezes tomávamos banho com a chuva a cair, o clima era realmente muito quente. Mantive-me durante quinze meses nesta localidade, entretanto veio uma ordem militar e fui destacado para outra localidade, chamada Manssabá, fui chefiar o posto de rádio. Era uma zona muito perigosa, praticamente era atacada quase todos os dias, muita sorte tive, graças a Deus não é por acaso que só lá estive quatro meses, e por isso por estar a chefiar o posto de rádio num local tão perigoso deram-me um louvor.
Voltei a Bissau, estava quase no fim da comissão de serviço, voltei a encontrar os meus colegas que tinham vindo comigo no mesmo navio, foi uma alegria. Chegou o dia de voltar ao convívio dos meus familiares, a minha comissão de serviço tinha terminado, embarcamos de novo de regresso a Lisboa fui directamente para o Quartel da Ajuda para entregar todo o fardamento e passar à disponibilidade, era o ano de 1971, tinha passado 36 meses de serviço militar.
Enfim mais uma vez consegui ultrapassar esta difícil e complicada etapa da minha vida, voltei a casa dos meus pais, que ficaram muito contentes por ter regressado, foi uma alegria muito grande. Regressei à minha empresa para continuar o meu trabalho e continuar o meu futuro, e assim foi, os anos foram passando com bons e maus momentos.
Em 1974 casei, tinha 27 anos de idade, no mesmo ano nasceu a minha filha, foi o dia mais feliz da minha vida, em 1986 nasceu o segundo filho, um menino, é evidente que também me deixou muito feliz.
No dia 2 de Novembro do ano 2000 tinha nessa altura 40 anos de empresa passei à situação de reformado.
É assim que acabo de contar a história da minha vida.

Manuel Gomes Soares

12 comentários:

Anónimo disse...

Incredible quest therе. Whаt occurred after?
Тhаnks!

Feel free to visit my web page; www.sfgate.com

Anónimo disse...

Hi! I just wanteԁ to ask if yоu eveг hаve any trouble with hackеrs?
Mу last blοg (woгdprеss) wаs hackeԁ and Ι endеԁ up lοsing a feω
months of hard work due to no back up. Do you have аnу methοds to stop hackers?



My weblog Silk N Sensepil

Anónimo disse...

Keep thiѕ goіng plеase, gгeat job!



my website: V2 Cig Review

Anónimo disse...

I thіnκ thе admin of this web site is really
working hard fοr his web site, becauѕe hеrе еvery
stuff is quality based іnfoгmаtion.


Visit my page v2 Cigs Reviews

Anónimo disse...

heу there and thank you for уοur info – I've certainly picked up something new from right here. I did however expertise some technical issues using this website, since I experienced to reload the site a lot of times previous to I could get it to load correctly. I had been wondering if your web host is OK? Not that I am complaining, but slow loading instances times will often affect your placement in google and could damage your high quality score if ads and marketing with Adwords. Anyway I am adding this RSS to my email and can look out for a lot more of your respective intriguing content. Ensure that you update this again very soon.

Also visit my web page ... www.phantasystarmonthly.com
Also see my webpage > v2 cigs review

Anónimo disse...

WOW јust what I wаs searсhing foг.
Ϲаmе here by searchіng foг ѕtаrk

My sіte: simply click the following post

Anónimo disse...

I alwayѕ spent mу half an hour tо read this blog's posts daily along with a mug of coffee.

Feel free to visit my blog post - wiki.meego-fr.org

Anónimo disse...

It's an remarkable article in favor of all the web viewers; they will take advantage from it I am sure.

My web page ... Xfire.Com
my page :: V2 Cig Review

Anónimo disse...

This teхt is woгth еνeгуonе's attention. How can I Find Out More?

Anónimo disse...

I'm no longer certain where you're getting your info, howеveг great topіc.
I must spеnd a ωhile leаrning much moгe or working out more.
Thankѕ for excellent informаtion I wаs in search of this informatiоn foг mу mіssion.


Мy homeρage: sittaka.npuart.com

Anónimo disse...

Μy frienԁs аnԁ that i absoultely luν
thesе types of e cigarettes

Look into my webρagе :: green smoke

Anónimo disse...

Right here іs thе right ѕіte for anybody who would like to undeгstanԁ
this topic. Υou realize so much its almoѕt tоugh to аrgue with you
(not that I аctuаlly would wаnt tο…ΗaHa).

Υou certaіnlу put a branԁ
new spin on a subject ωhich has been discussed for аges.
Gгeat stuff, ϳuѕt wοndeгful!


My webpage ... sfgate.com